Representantes da indústria, da sociedade civil e do poder público defenderam nesta quarta-feira (31) a revisão do processo de licenciamento ambiental no Brasil. Eles participaram de audiência pública conjunta das comissões de Agricultura (CRA) e de Meio Ambiente (CMA) para analisar o projeto de lei (PL) 2.159/2021 , que simplifica o licenciamento de atividades que possam causar degradação do meio ambiente.
O projeto de lei foi apresentado originalmente em 2004. Aprovado pela Câmara dos Deputados em 2021, o texto dispensa de licença ambiental obras de saneamento básico, manutenção em estradas e portos e distribuição de energia elétrica com baixa tensão, além de obras consideradas de porte insignificante pela autoridade licenciadora.
Davi Bomtempo, gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), defende as medidas. Para ele, o licenciamento ambiental no Brasil "não corre na velocidade desejada".
— Os principais gargalos são o excesso de procedimentos burocráticos, a superposição de competências, a complexidade regulatória, a insegurança jurídica e a falta de clareza de procedimentos. A indústria defende a desburocratização. Para aqueles procedimentos de baixo impacto, a gente poderia trabalhar de uma forma mais simplificada, veloz, moderna e racional — disse.
A presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), Mauren Lazzaretti, classificou como "urgente" a aprovação de uma lei geral de licenciamento. Para ela, o PL 2.159/2021 "representa um avanço significativo".
— É necessário fazer essa revisão. A tecnologia precisa ser aplicada, não apenas como instrumento para orientar um processo digital de licenciamento, mas como instrumento para tornar o licenciamento ambiental mais leve, eficaz, rápido e eficiente. Precisamos diminuir o licenciamento cartorial — afirmou.
O representante do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, afirmou que o PL 2.159/2021 é o projeto de lei ambiental "mais importante em debate no Congresso Nacional". Mas, para o gestor, a matéria cria "oportunidade para conflitos".
— O texto aprovado na Câmara dos Deputados vê o licenciamento ambiental como entrave, e não como efetiva segurança para o investimento público-privado e para o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ele elimina critérios e parâmetros nacionais, dispensa certidão do uso do solo, não faz menção a metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. Estamos criando mais oportunidade para conflito do que para resolver — criticou André Lima, que é o secretário extraordinário deControle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente.
Para Raul Valle, coordenador de Política Pública do WWF Brasil, há "um amplo campo de convergência" no debate sobre mudanças no licenciamento ambiental. Ele reconhece que "mais burocracia não significa mais proteção". Durante a audiência pública, no entanto, Valle defendeu a correção de problemas que identifica no PL 2.159/2021.
— O projeto permite que cada estado defina o que deve ou não deve ser licenciado e qual o formato de licenciamento. Nós poderemos ter tranquilamente 27 regras diferentes no Brasil. Não faz sentido que uma indústria siderúrgica seja licenciada em um estado, e não seja em outro. Isso fere o princípio federativo e vai levar a uma guerra ambiental: estados vão começar a competir para dispensar licenciamento, e você passará a ter a alocação de empreendimentos da pior forma possível — advertiu.
O advogado Leonardo Papp, assessor jurídico da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), defendeu a aprovação do PL 2.159/2021, mas reconheceu que "sempre há espaço para aprimoramentos".
— É um avanço bastante expressivo para disciplinar o licenciamento ambiental no país. O licenciamento deve ser um procedimento eficiente, e eficiência não pode ser confundida com os extremos. Nem o extremo da facilitação e da flexibilização que coloque em risco salvaguardas ambientais, nem o extremo da burocratização, do "não pelo não", que muitas vezes acaba infelizmente se concretizando — disse.
Para Werner Grau Neto, doutor em Direito Internacional Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP), a legislação em vigor provoca insegurança jurídica e precisa ser revista. Para o consultor, é comum que condicionantes impostas no processo de licenciamento ambiental sejam exigidas para compensar "mazelas sociais" que não são causadas pelo empreendimento.
— É a vala comum. O licenciamento ambiental passa a resolver questões que não dizem respeito ao empreendimento ou à relação com o ambiente que o recebe, mas a uma série de mazelas de natureza social do nosso país. Elas devem ser tratadas, mas o licenciamento ambiental não é o veículo para se resolver esses problemas — disse.
O PL 2.159/2021 tramita simultaneamente na CRA e na CMA. A audiência pública desta quarta-feira foi sugerida pelos relatores da matéria nos dois colegiados, os senadores Tereza Cristina (PP-MS) e Confúcio Moura (MDB-RO), e pela presidente da CMA, senadora Leila Barros (PDT-DF). Confúcio Moura defendeu a aprovação da matéria.
— Desde a Constituição de 1998 estamos sem uma legislação geral. O licenciamento no Brasil, em todo o período pós-Constituição, vem sendo mais ou menos 'regulamentado' por resoluções do Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente], portarias ministeriais, leis estaduais e alguns decretos. Então, o empresariado de um modo geral, que necessita do licenciamento, fica diante de uma parafernália legislativa infraconstitucional complexa — disse Confúcio.
Tereza Cristina disse que o projeto poderia passar por aperfeiçoamentos no Senado. Mas para ela o país tem urgência na aprovação de uma legislação que "modernize o processo de licenciamento ambiental".
— O ótimo é inimigo do bom. Precisamos ter um licenciamento ambiental. Espero que, com o diálogo, a gente possa caminhar e entregar um licenciamento ambiental há tanto esperado. Claro que seria importantíssimo ter um planejamento ambiental estratégico, um marco do meio ambiente. Mas acho que, neste momento, o melhor é a gente entregar esse licenciamento que já veio da Câmara dos Deputados e, para frente, modernizar e simplificar a legislação — afirmou.
Para a presidente da CRA, senadora Soraya Thronicke (União-MS), a audiência pública revelou "uma convergência de entendimentos" em torno do PL 2.159/2021. Para ela, a nova regra pode simplificar o processo de licenciamento ambiental.
— Vai reduzir a burocracia nos processos, padronizar procedimentos e dar agilidade aos empreendimentos no Brasil, claro que com a cautela para as questões ambientais. A primeira coisa que o empresário quer sentir é segurança jurídica no âmbito dos seus negócios. Quanto mais segurança e clareza nas ações do licenciamento, mais investidores e prosperidade conseguiremos trazer para nosso país — afirmou.
A presidente da CMA, senadora Leila Barros, criticou o projeto de lei. Para ela, a proposição se soma a uma série de ameaças e retrocessos impostos aos povos indígenas.
— A possibilidade de não haver um rito ou sequer a escuta aos povos indígenas quando da construção de empreendimentos se traduz em mais uma retirada de direitos. A matéria prevê apenas o envio de um termo de referência à Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], cuja resposta não vai conferir qualquer condicionante ao empreendimentos. Ainda assim, apenas nos casos de terras indígenas homologadas, quando sabemos que diversos povos, incluindo os isolados, ainda aguardam a demarcação dessas terras — apontou.
Os senadores Giordano (MDB-SP), Jaime Bagattoli (PL-RO), Wellington Fagundes (PL-MT) e Zequinha Marinho (PL-PA) também participaram do debate. A CRA e a CMA já promoveram quatro audiências públicas sobre o tema no Senado.
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