Parlamentares da comissão mista que analisa a medida provisória da retomada do Programa Mais Médicos ( MP 1.165/2023 )tiveram, nesta terça-feira (16), a oportunidade de ouvir governo e representantes da classe médica para subsidiar a discussão sobre o texto. A qualidade da formação de médicos e a garantia da permanência desses profissionais no interior são algumas das principais preocupações demonstradas pelos deputados e senadores.
Ao apresentar o programa, o secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Nésio Fernandes, lembrou que a interiorização dos médicos ainda é um desafio para a saúde pública no Brasil, com diferenças significativas entre as regiões e uma concentração muito maior no Sul e no Sudeste. Enquanto no Norte há 1,16 médico para cada grupo de mil habitantes, no Sudeste esse índice é de 2,81. As cidades menores também sofrem mais com a falta desses profissionais que as capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes.
Uma das estratégias do programa para garantir a presença de médicos nessas áreas desprovidas, segundo o secretário, é o aumento do ciclo desses profissionais no programa, de três para quatro anos. O programa, nesta nova fase, integra a formação de especialistas ao provimento médico.
O secretário explicou que, no Brasil, há dois caminhos para a titulação de médicos como especialistas: fazer residências reconhecidas ou provas de títulos de especialista. Não há, de acordo com ele, vagas suficientes nas residências para o número de egressos das faculdades de medicina. A ideia é ampliar a oferta de formação médica especializada no âmbito da atenção primária, fortalecendo o programa de residência em medicina da família e comunidade e estruturando o trabalho no programa como via de acesso à prova de título de especialista.
— Quem ficar 48 meses no programa fará uma especialização lato sensu em medicina da família e comunidade e fará um mestrado profissional. Teremos aí dois títulos. E poderá, ao final de quatro anos, fazer a prova de título de especialista — explicou o secretário, detalhando os incentivos oferecidos pelo programa.
A relatora, senadora Zenaide Maia (PSD-RN), que é médica do Sistema único de Saúde (SUS), lembrou que não se trata de um programa criado agora, mas de um aperfeiçoamento de uma iniciativa criada há dez anos e que ajudou a diminuir a desigualdade no acesso à saúde.
— Essa criação foi justamente para diminuir a desigualdade do acesso à saúde. Eu queria dizer aqui que o que nós estamos discutindo não é médico para ricos ou pobres. Nós estamos discutindo acesso aos médicos e aqueles que não têm acesso aos médicos — lembrou.
Representantes dos médicos e parlamentares demonstraram preocupação com a qualidade da formação dos profissionais. Para o secretário-geral da Associação Médica Brasileira (AMB), Antônio José Gonçalves, não basta colocar os médicos trabalhando nos locais; é preciso ter uma estrutura para essa formação. Para ele, o aumento no número de médicos formados não trouxe junto a qualidade no serviço.
— Agora estamos pagando o preço da formação desses médicos. Eles não estão adequadamente formados, tanto que somos favoráveis, agora, ao exame de proficiência inclusive dos médicos brasileiros. Nós não somos contra os médicos estrangeiros, absolutamente. Só queremos que eles sejam qualificados e, se eles passarem no [exame] Revalida, serão muito bem-vindos.
Gonçalves também afirmou que é preciso preservar a qualidade dos títulos de especialista, para que não aconteça com esses títulos e com as residências o mesmo que com a formação nas escolas de medicina.
O deputado Geraldo Resende (PSDB-MS) e o senador Dr. Hiran (PP-RR) se disseram preocupados com a qualidade dos cursos de medicina e dos profissionais formados. O senador disse que já foi contra uma prova de ingresso na medicina, assim como acontece com os advogados, por exemplo, mas ponderou que essa parece ser uma das saídas possíveis para a questão da qualidade dos cursos de medicina, que se multiplicam pelo país.
O coordenador-geral de Expansão e Gestão da Educação em Saúde do Ministério da Educação (MEC), Pedro Luiz Rosalen, lembrou que o programa prevê o acompanhamento dos médicos durante a formação (que era de três anos e com a nova versão do programa passa a ser de quatro anos). Os médicos são acompanhados por supervisores de universidades federais e cada grupo de dez supervisores tem um tutor, também dessas universidades.
— Para chegar no território de maior carência e de maior dificuldade de acesso, esses médicos não são colocados lá e simplesmente deixados a sua sorte. Eles são acompanhados durante toda essa formação. Como eu já falei em outras situações: quiçá nossos médicos do SUS tivessem o que os nossos médicos do Mais Médicos recebem nesse programa — explicou.
O deputado Dr. Zacharias Calil (União-GO) afirmou que o aumento de vagas nos cursos de medicina não foi acompanhado pelo aumento no atendimento de serviços de saúde. Para ele faltam recursos e estrutura que permitam que os profissionais fiquem nas áreas remotas e possam, depois, atuar como tutores e supervisores das equipes. Isso interfere na qualidade da formação, segundo o deputado.
O presidente da Federação Nacional dos Médicos, Gutemberg Fialho, apontou como falha do programa a falta de perspectiva de carreira para os médicos. Na opinião do especialista, o ciclo de quatro anos não é suficiente para mudar o problema da interiorização, já que o médico passa a conhecer a comunidade e seu perfil epidemiológico, mas vai embora depois.
— Precisamos interiorizar a medicina, mas com qualidade, com formação epidemiológica e sanitária compatível com a realidade do país. Temos que interiorizar com a perspectiva de carreira, o que temos no Médicos pelo Brasil, por exemplo — disse Fialho, ao citar o programa instituído pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro no lugar da primeira versão do Mais Médicos.
O senador Alan Rick (União-AC) afirmou que os médicos formados fora do Brasil, muitos deles vindos de municípios pobres do Norte, prestam um serviço essencial para a população. Para o senador, não se deve generalizar, como se esses profissionais, em sua totalidade, não fossem capazes. Ele também defendeu uma revisão do modelo de prova de revalidação de diplomas.
—Repito: o brasileiro formado exterior é, hoje, a melhor força de trabalho do programa, é a que permanece o tempo todo e guarnecendo o nosso município do interior. Precisa ser valorizada, e não vilipendiada — disse o senador.
Durante o debate, parlamentares aproveitaram para defender aprimoramentos do texto. Ao se dizer um entusiasta do programa, o deputado Sidney Leite (PSD-AM) afirmou que, sem uma estratégia específica para a região Amazônica, a população continuará desassistida, porque os médicos só vão se fixar se compensar financeiramente. Ele sugeriu a inclusão da telemedicina no programa.
— Sugiro que a gente possa ter como instrumento e abrir, com critérios bem definidos, a presença da telemedicina, porque nós temos um vazio de especialistas em regiões do Brasil profundo, e isso não é justo.
O senador Carlos Viana (Podemos-MG) pediu à relatora que aceite uma emenda para permitir a regularização de diplomas de brasileiros que se formaram no exterior. Para ele, essa mudança resolveria, de uma vez, dois problemas: o da contratação de médicos e o da regularização dos diplomas.
Zenaide Maia afirmou que as apresentações demonstraram a concordância sobre a importância da saúde primária e também sobre o papel da universidade na qualificação dos médicos.
O presidente da comissão, deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-AP), fez um apelo aos parlamentares para que fizessem uma seleção dos convidados para as próximas audiências públicas, já que foram sugeridos 47 nomes até agora e não há como ouvir todos pela limitação de tempo. Para ele, um debate tão estendido não seria produtivo. Segundo o presidente, além da próxima audiência, marcada para esta quarta-feira (17), haverá mais dois debates, na próxima semana.
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