Três dias de aprendizado e reflexão em busca de inovação na produção da cerâmica vermelha de Santana do São Francisco. O ‘I Seminário Estadual de Artesanato em Cerâmica’, realizado desde a última sexta-feira, 4, até este domingo, 6, pelo Governo de Sergipe, por meio da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Empreendedorismo (Seteem), e com o apoio da prefeitura local, debateu melhorias para a qualidade de vida dos artesãos, sem interferir na identidade cultural do artesanato local.
A programação do sábado, 5, no município do baixo São Francisco, foi o ponto alto do evento, que reuniu artesãos, gestores e estudiosos para promover o aperfeiçoamento do processo artesanal característico da região. Entre os convidados, a coordenadora nacional do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), Beatriz Ellery, e o ceramista e pesquisador Nicodemos Farias contribuíram com o Seminário. Além de informações, um modelo diferente de forno foi proposto e construído na cidade.
O governador do Estado, Fábio Mitidieri, compareceu ao segundo dia da programação e ressaltou aos presentes a importância do momento, que contribui para a valorização do artesanato como política pública do Estado. Mitidieri reafirmou o compromisso de manter o artesanato em todas as ações de seu governo.
“Eu sempre coloco o trabalho, o emprego, a renda e o artesanato, que é a cultura nossa expressa pelo nosso povo, através da arte, em tudo o que o Estado faz. Para a gente poder, não só expor, mas vender, porque o cidadão precisa de renda. Ou seja, é o carinho, é a atenção, é a valorização, é a qualificação. E, agora, vamos investir para poder realizar os fornos também, para ver qual é o melhor modelo. Seminários como esse, a gente aprende mais do que a gente ensina, porque vocês fazem arte no dia a dia. Vocês entendem a necessidade no dia a dia e o intuito nosso, aqui, não é de apenas falar, mas de ouvir, de entender o que o artesanato sergipano precisa, onde é que a gente pode valorizar e rentabilizar melhor o trabalho de vocês”, pontuou o governador aos artesãos presentes.
Alternativa eficiente
Um dos principais focos do evento foi a busca de alternativas para a queima do barro vermelho, característico da região. Atualmente dezenas de olarias espalhadas pela cidade liberam grande quantidade de fumaça no meio ambiente, esta mesma fuligem também é inalada pelos próprios artesãos, que sofrem ainda com as altas temperaturas dos fornos. Outra questão que merece atenção é a utilização de madeira em larga escala.
O ceramista Nicodemos Farias, de Brasília, com 40 anos de experiência, é especialista em diferentes técnicas de produção. Ele apresentou aos artesãos santanenses um modelo de forno diferente, que reduz a insalubridade na feitura da cerâmica. Além das explicações durante o seminário, ele auxiliou na construção de um projeto piloto que pode ser multiplicado na cidade. O forno foi construído na sede da associação dos artesãos locais.
“Trouxe um modelo que vai fazer a mesma coisa, só que de uma maneira mais saudável, mais econômica e mais eficiente. E, assim, vale a pena. Eu não queria vir fazer uma fala e só, eu quis fazer um forno para a gente ver na prática e esse forno é para que todos possam ir lá e ver como ele funciona e entendam que qualquer pessoa pode fazer”, contou.
A coordenadora do PAB, órgão gerido pela Secretaria Nacional do Artesanato e do Microempreendedor Individual do Ministério do Empreendedorismo, Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, falou que conheceu alguns espaços de produção da cerâmica na cidade e afirmou ter ficado impressionada com a quantidade encontrada. Ela disse já ter visitado alguns pólos de cerâmica em Minas Gerais, Bahia, Ceará, Distrito Federal e no Pará, mas nunca encontrou um como o de Santana do São Francisco com suas olarias.
“Talvez eu nunca tenha visto um polo tão grande, tantas casas, com pequenas olarias, com grandes olarias, então eu acho que a minha vinda aqui é um aprendizado. Mas, é uma forma ainda muito primitiva de produção, o que é preocupante, porque se a gente não tiver os artesãos, não adianta estar pensando na política do programa de artesanato. Sem eles, a gente não teria porque estar aqui pensando na permanência desse artesanato, na preservação dessas técnicas”, relatou Beatriz Ellery.
Opinião dos artesãos
Artesãos santanenses, que vivem da arte manual de moldar o barro, lotaram o espaço da Escola Afonso de Oliveira Fortes. Pessoas simples como a artesã Eunice Fortes, que traz o artesanato como uma tradição familiar, passada entre as gerações. Ela demonstrou interesse na evolução dos fornos, pois possui três deles e conhece na pele a dificuldade encontrada no trabalho cotidiano. Eunice faz vasos para plantas e atende, principalmente, sob encomenda de compradores de fora de Sergipe e chega a empregar 15 pessoas.
“Eu quero tentar mudar eles [os fornos]. Como foi falado, há dificuldade na compra da lenha e a gente sabe que é proibido desmatar. Então, a gente tá sofrendo com isso. Eu tenho conhecimento de alguns fornos a gás, os quais realmente funcionam. Já vi também, em Brasília, outro forno que queima com muito menos lenha e menos agressivo, que tem uma chaminé, que leva a fumaça para fora. Então, o seminário vem falar disso e isso é muito bom”, comentou Eunice.
Para o artesão Wilson Capilé, é preciso ouvir e entender que sozinhos os artesãos não conseguem mudar, mas com a ajuda certa é possível melhorar o modo de produção. “Cada artesão é representante de si próprio, porém ninguém vai a lugar nenhum sozinho, nós dependemos de parcerias e essa parceria está aqui. Esse projeto do governo vem trazer melhor qualidade de vida para o artesão porque a gente sabe que, querendo ou não, esses fornos são prejudiciais para a saúde. Acredito que esse projeto vai à frente e só vai trazer melhorias”, disse.
“É de grande importância todo esse trabalho que está vindo, esse projeto vem para beneficiar todos os artesãos que sofrem com a queima dos fornos do nosso artesanato em nossa cidade. Pois esse protótipo que está sendo feito agora, nesse primeiro seminário, vai ser de uma valia muito grande para todo artesão santanense. Esse tipo de forno elimina praticamente 100% da fumaça inalada por todos os artesãos. Aqui, o calor que a gente passa na hora de queimar as nossas louças é enorme também Mas, com esse tipo de forno, a gente vai eliminar esse calor”, opinou o artesão Edson Marques, sobre o modelo proposto.
Construção coletiva
O Seminário também foi o momento de ouvir o artesão local sobre a implementação de políticas para a melhoria da produção da cerâmica. A Secretaria Especial de Planejamento, Orçamento e Inovação (Seplan) realizou uma escuta ativa com a população sobre a criação de um espaço com fornos elétricos coletivos. A proposta faz parte de um plano estratégico em desenvolvimento pela Seteem, com foco em promover uma produção mais ecologicamente sustentável, economicamente viável e que preserve a saúde dos artesãos.
Para o secretário de Estado do Trabalho, Jorge Teles, a iniciativa reforça as políticas públicas ao passo que zela pela continuidade das tradições locais. “Embora os fornos tradicionais façam parte da identidade cultural do artesanato, seu uso contínuo pode representar riscos à saúde dos artesãos e ao meio ambiente, o que torna fundamental pensar em alternativas que preservem a essência da prática artesanal, ao mesmo tempo em que garantam melhores condições de trabalho e sustentabilidade”, destacou o secretário.
Para o prefeito de Santana do São Francisco, Ricardo Roriz, o evento vem para resguardar a tradição local. Segundo o gestor, são mais de 400 artesãos no município. “Nós somos a capital sergipana do artesanato em barro. E trazer esse conhecimento, esse debate com nossos artesãos é muito importante para que a gente possa saber como desenvolver a melhoria da qualidade de vida desses artesãos, tanto no seu trabalho como na saúde. E precisamos cuidar disso, realmente avaliar o que tem de problema para que a gente, em conjunto, possa resolver”, comentou.
O I Seminário Estadual de Artesanato em Cerâmica de Sergipe contou com o apoio da Prefeitura Municipal de Santana do São Francisco, Fundação de Cultura e Arte Aperipê (Funcap) e da Fecomércio. Os respectivos representantes destes órgãos estiveram presentes: Ricardo Roriz, Gustavo Paixão e Marcos Andrade. Também acompanharam o evento, o vice-governador Zezinho Sobral, o secretário especial de Cultura, Valadares Filho, e o diretor-presidente da Empresa Sergipana de Turismo (Emsetur), Fabiano Oliveira; assim como a primeira dama municipal, Renata Roriz, entre outras autoridades.