Neste sábado, 29, o Centro de Ciências e Planetário do Pará (CCPPA) será um dos espaços da mostra Estúdio Aberto, que integra as atividades públicas do segundo ciclo da Residência Cultural do Centro Cultural Bienal das Amazônias (CCBA). A experiência “Ao Cair da Noite Eu Me Guiarei pelo Brilho dos Seus Olhos” será desenvolvida pelo artista visual e escritor Rafael RG, na cúpula de projeções Kwarahy, com sessões às 9h e às 11h. A atividade será gratuita e não necessita de inscrição prévia.
A sessão inédita une arte, ciência e história, a partir da investigação de rotas de fuga de pessoas negras escravizadas no Brasil e o conhecimento astronômico presente nesses trajetos. Com trilha sonora ao vivo do artista Sidou, são cruzados anúncios de fuga do período colonial no Pará com dados astronômicos, permitindo identificar os astros e constelações que guiavam jornadas de resistência.
“O principal objetivo da sessão - na verdade, de todo o meu trabalho como artista - é convidar o público a refletir e imaginar formas mais possíveis de viver neste mundo. Acredito, profundamente, que a imaginação é uma ferramenta essencial para criar estratégias de sobrevivência. A força do subjetivo pode ser transformadora”, afirma Rafael RG.
Conforme o artista visual, a sessão será no Planetário do Pará quer difundir histórias de pessoas que, séculos atrás, resistiram e lutaram contra um sistema violento. “Perceber que, embora tenhamos avançado, muitas dessas lutas ainda continuam, é parte essencial dessa experiência”, complementa.
De acordo com Rafael, a atividade deste sábado também propõe um reencontro com o céu. “Estar sob a cúpula do planetário é um convite para olhar para cima — não apenas pela beleza das estrelas, mas pelo conhecimento que elas carregam, construído por diversas civilizações ao longo da história. É um momento de admiração, conexão e escuta”, afirmou.
Origem
O interesse de Rafael em elaborar experiências em planetários surgiu em 2020, quando foi convidado a participar de uma mostra de arte pública no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Cada artista deveria escolher áreas ou equipamentos do parque para desenvolver suas pesquisas e obras, e o artista indicou à curadoria o interesse em trabalhar com o Planetário localizado dentro do parque.
“Foi nessa conversa que me veio à memória uma história que havia escutado há algum tempo: a de uma mulher escravizada nos Estados Unidos que utilizou uma constelação como guia em sua fuga. Fui atrás dessa narrativa e descobri que essa mulher era Harriet Tubman. Fiquei profundamente impressionado com sua história. Harriet observava a constelação que conhecemos como Ursa Maior, identificando períodos de cheia e reconhecendo, na estrela mais brilhante do conjunto, uma orientação para o Norte, onde o movimento abolicionista nos EUA era mais avançado. A partir daí, comecei a buscar casos semelhantes no Brasil, mas logo percebi que as histórias sobre fugas aqui carecem de documentação”, conta Rafael, que diz se sentir privilegiado, pois, a partir da prática artística, é possível preencher as lacunas dos registros existentes com a imaginação.
O processo de elaboração de obras para planetários envolve a coleta de datas e locais de fuga de pessoas negras escravizadas, com as quais pode-se determinar como estava o céu em uma noite específica. A projeção do céu da data pesquisada é possível com o equipamento planetário, já que um dos seus recursos é apresentar o céu conforme era visto no passado ou futuro, funcionando como uma máquina do tempo.
“Com a leitura das cartas celestes, conseguimos traçar paralelos entre os corpos astronômicos visíveis a olho nu e as narrativas de resistência e fuga”, destaca Rafael RG, que também já desenvolveu sessão no Planetário do Espaço do Conhecimento UFMG, em Belo Horizonte. Para ler e interpretar as cartas celestes, ele conta com a colaboração do astrofísico Alan Alves.
Parceria
Na visão do diretor do CCPPA, Roberto Silva, a ação integrada com o Centro Cultural da Bienal das Amazônias amplia o papel do Centro de Ciências e Planetário do Pará e possibilita o diálogo entre arte e ciência. “Considerando o papel do próprio Planetário, esta é uma ação que vai proporcionar um olhar diferenciado a partir do que nós desenvolvemos. Então, é com muita satisfação que recepcionamos esta atividade, que terá todo o nosso empenho para que seja um sucesso”, afirma.
Ana Clara Simões Lopes, coordenadora de Pesquisa da Bienal das Amazônias, destaca que a Bienal “valoriza profundamente a parceria com o Planetário do Pará, que torna possível a apresentação da sessão autoral de Rafael RG neste sábado”.
“Acreditamos na potência das trocas interdisciplinares entre arte e ciência, e essa colaboração reflete nosso compromisso em expandir esses diálogos. Após experiências em Minas e Campinas, esta é a primeira vez que Rafael apresentará o trabalho fora do Sudeste, e o Planetário do Pará, único na região com a estrutura necessária, viabiliza essa realização inédita. Sua pesquisa, ao conectar dados astronômicos às rotas de fuga de pessoas escravizadas, amplia a reflexão sobre memória, resistência e outras formas de orientação no mundo”, ressalta Ana Clara.
Rafael RG reforça que a luta pela liberdade é, ainda hoje, uma realidade cotidiana, devido às diferentes formas de opressão impostas pela sociedade. “Unir arte e ciência é uma forma de dar imaginação aos dados, tornar mais acessíveis informações que, muitas vezes, são técnicas e difíceis de compreender. Quando transformamos esses dados em experiências sensíveis, abrimos espaço para que mais pessoas se envolvam, se emocionem e se interessem por esses conhecimentos. E, ao trazer a memória para esse diálogo, estamos afirmando que olhar para o passado é também uma maneira de imaginar e construir futuros”, conclui.
Serviço:
Experiência "Ao Cair da Noite Eu Me Guiarei pelo Brilho dos Seus Olhos"
Sessões às 9h e às 11h.
Entrada gratuita, sem a necessidade de inscrição prévia.
Local: Centro de Ciências e Planetário do Pará, na avenida Augusto Montenegro, km 03, ao lado do Mangueirinho.