“O tempo passa e ficam os nossos feitos” — expressão antiga e muito usada, à qual um ´filósofo de plantão´ acrescentou ironicamente: “bons ou maus”. É verdade, só que os feitos bons perecem mais rapidamente e são apagados pelo tempo, na maioria dos casos. E esse é o caso do feirense Antônio Aurélio da Silva, compositor, professor de música e maestro da Filarmônica Vitória, numa época em que essas instituições musicais eram admiradas e valorizadas, como são hoje os cantores populares.
Nascido em 31 de julho de 1887, filho do casal Feliciano Félix da Silva e Maria Passos da Silva, Aurélio começou cedo no mundo musical, mal chegando aos 13 anos de idade, como aluno do professor Manoel Tranquilino Bastos, renomado mestre da cidade de Cachoeira, na Filarmônica Vitória. Logo demonstrou seu pendor para a arte musical, compondo dobrados e marchas, e tornando-se exímio músico, com enorme abrangência, já que tocava vários instrumentos de corda, sopro e percussão.
Maestro da Vitória, como se tornou conhecido pela comunidade, Antônio Aurélio descobriu a vocação nata de Tertuliano Ferreira Santos, que, graças à sua orientação, conquistou uma marcante liderança musical e respeitada presença na sociedade feirense, também chegando a ser maestro da Filarmônica Vitória e da Filarmônica 25 de Março.
Determinante na vida de Aurélio era seu desapego aos valores materiais. Em contrapartida, amava a família e a música. Assim, quando algum instrumentista da filarmônica pedia para sair devido a dificuldades financeiras, ele assumia a responsabilidade e, sem ser rico, com recursos próprios, remunerava-o para mantê-lo no grupo musical.
Independente da música, Antônio Aurélio era um joalheiro de destaque na região e, assim como o pai, que lhe ensinara a difícil e delicada arte, confeccionava requintadas joias para senhoras da sociedade. Era um profissional muito conhecido e respeitado. Por isso mesmo, coube-lhe a missão de instalar o relógio na torre da Igreja Matriz, atual Catedral de Santana. Periodicamente, quando necessário e sem qualquer custo, ele procedia à manutenção do equipamento.
Homem probo, dedicado à família, Antônio Aurélio casou-se com Maria Castor e dessa união nasceram oito filhas, todas, não se sabe o motivo, ganhando nomes iniciados com a letra "Z": Zaida, Zenita, Zenaide, Zélia, Zita, Zilva, Zilda e Zorilda. Desprovido de vaidade e orgulho, levava uma vida simples, centrada na família e na música, nem mesmo reivindicando pagamento da filarmônica. Quando alguém questionava seu modo de vida, ele, sorridente, gostava de dizer que tinha duas famílias: “uma com Maria, minha esposa, e a outra com Vitória, minha filarmônica”.
Maria Castor faleceu em 1956, aos 70 anos de idade, muito depois dele, que faleceu jovem, aos 33 anos, no dia 19 de março de 1920, em consequência da varíola, doença epidêmica que causou grandes transtornos à comunidade naquela década. O amor à esposa Maria e à Filarmônica Vitória era tal que ele descartou convites para reger outras bandas musicais, como a honrosa chamada para ser o maestro da Banda do Corpo de Bombeiros da Bahia, e outras, inclusive de grupos musicais do Rio de Janeiro, para não deixar Feira de Santana e a Filarmónica Vitória.
Hoje, pouco se sabe do maestro feirense Antônio Aurélio Silva, um cidadão que deu grande contribuição à sociedade local nas primeiras décadas do século passado, sem reconhecimento posterior de sua cidade.
Por Zadir Marques Porto
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