Durante audiência pública da Comissão de Educação (CE), especialistas e representantes do ensino superior sugeriram que o novo Plano Nacional de Educação (PNE 2024-2034) restabeleça a meta de investimento público na educação em 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, defenderam a aprovação, junto com o novo PNE, o projeto que estabelece o Sistema Nacional de Educação (SNE).
O debate, requerido e presidido pelo senador Flávio Arns (PSB-PR), foi o nono da rodada de dez audiências públicas sobre o tema. O novo PNE determinará as diretrizes para a educação nos próximos 10 anos.
O projeto do Poder Executivo para o novo PNE ( PL 2.614/2024 ) está em tramitação na Câmara dos Deputados e contém 10 diretrizes, 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias a serem cumpridos até 2034. O PNE 2014-2024, em vigor, previa chegar ao final da sua vigência com a aplicação de 10% do PIB no setor da educação. Atualmente, está em 5,5%. O projeto do novo PNE estabelece uma aplicação progressiva que vai de 7% a 10%.
Mas na visão dos debatedores, o novo plano precisa ser entendido como política pública, e seus os pontos centrais, que são o financiamento e a gestão, devem ser de fato cumpridos e não alvo de desmontes ao longo dos anos.
O presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca), Nelson Cardoso Amaral destacou que países que passaram a investir mais recursos públicos na educação conseguiram evoluir na qualidade de ensino e no êxito educacional, como indicam os dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa).
Ele citou como exemplo a Finlândia, que em 1970 investia uma média anual de US$ 2.241 em educação por pessoa. Em 2016, esse valor era de US$ 11.355, refletindo significativamente no desempenho do país, que hoje lidera o ranking dos melhores do mundo em educação.
Já o Brasil, segundo dados apresentado por Nelson Amaral, investia em 1995 um total de US$ 979 por aluno e atualmente soma uma média de US$ 2.347 no valor aplicado por aluno, a cada ano. Para ele, o valor anual total por aluno mínimo deveria ficar em torno de US$ 6.540.
Ele também citou estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o qual indica um efeito multiplicador do crescimento de quase 2% do PIB quando se investem recursos correspondentes a 1% do PIB na educação.
— Quando se acrescenta 1% do PIB na educação, o PIB do país aumenta 1,85%. Amplifica o valor do PIB diretamente, e é o setor que mais amplia o PIB.
E apresentou documento da Fineduca sugerindo fontes de recursos para ampliar o investimento em educação.
— É feito todo um levantamento de possíveis fontes para serem estudadas, além de tributos, que são os impostos, taxas e contribuições, claro. Então, a gente encontra lá muitas possibilidades, que estão lá, definidas, e elas estão também nas estratégias do documento final da Conae [Conferência Nacional de Educação]: utilizar a riqueza natural brasileira (águas, minérios, petróleo e gás); utilizar recursos recuperáveis da dívida ativa da União; diminuir o volume de renúncia de impostos da União; elevar a carga tributária brasileira a percentuais de PIB equivalentes àqueles dos países mais ricos da OCDE — enumerou.
O representante do Centro de Estudos Educação & Sociedade (Cedes), Romualdo Portela de Oliveira, concordou com Nelson Amaral e defendeu a educação no centro da agenda de desenvolvimento nacional, ancorado também no estímulo à ciência, à tecnologia e à economia do meio ambiente.
Ele considerou injusto que o Brasil exija metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) semelhantes aos dos países da OCDE, mas não invista o mesmo recurso que eles também aplicam.
— O nosso gasto por aluno é substantivamente inferior ao dos países da OCDE. E aí eu acho muito interessante que a gente estabeleça como meta do Ideb [...] a média dos países da OCDE. E não tenha nos nossos planos de educação a ideia de que temos que gastar a média dos países da OCDE por aluno. Você cria um desejo e não cria as condições necessárias para que ele venha a ser cumprido.
O senador Flávio Arns também falou da importância de o projeto calcular de forma justa o valor a ser direcionado a cada aluno, levando em consideração a qualidade do ensino em cada região do país.
— Ao mesmo tempo, o Custo Aluno-Qualidade, é um conceito novo também, já colocado na Constituição. [...] Temos que investir na creche, na pré-escola, no ensino médio, para que seja de qualidade: a creche, qual é o tamanho da sala, tamanho da escola, equipamentos, materiais, água, luz, professores, profissionais da educação, carreira... Nós temos que chegar a esse conceito — observou Arns.
Na opinião da vice-presidente da Região Sul da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Angela Maria Scalabrin Coutinho, um dos desafios do novo PNE é refletir através dos objetivos, metas e estratégias as diferenças identificadas em todo território nacional, oferecendo um caminho eficaz para atender a população sob a perspectiva da justiça social e da equidade, com um sistema de cooperação entre os entes federados e métricas muito bem estabelecidas.
Para isso, ela considerou essencial que o novo PNE seja aprovado juntamente com o Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/2019 , já aprovado no Senado, que institui o Sistema Nacional de Educação (SNE). De Flávio Arns, a proposta alinha as políticas, programas e ações da União, do Distrito Federal, de estados e de municípios, em articulação colaborativa dos entes da Federação na área educacional.
— É só retomar a importância da aprovação do PNE em articulação à aprovação do Sistema Nacional de Educação; avançar mais nas políticas de cooperação entre os entes federados, reduzindo as desigualdades regionais e entre as redes; o desafio de acompanhamento, o modelo de controle social que de fato envolva a sociedade política e sociedade civil; outro ponto fundamental de nós pensarmos é a descontinuidade das políticas, portanto, retomar essa ideia de um plano de Estado e não de governo é fundamental para que a gente possa avançar na perspectiva dessa não descontinuidade.
O presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Luiz Fernandes Dourado, observou que o atual PNE, apesar de ter expressado um pacto nacional para a política de estado educacional na época da sua aprovação, acabou não se efetivando e não teve um monitoramento adequado.
Diante desse quadro, ele disse que o novo plano precisa avançar com um sistema de colaboração entre os entes federativos, com a efetiva institucionalização do Sistema Nacional de Educação, definição de metas de aplicação de recursos públicos e a criação e o fortalecimento de mecanismos legais que garantam canais efetivos e democráticos de controle e de participação social.
— Entendemos o Plano Nacional de Educação como articulador do Sistema Nacional de Educação, daí a importância da vinculação deste plano com os demais planos decenais: estaduais, distrital e municipais. Sinalizando ações integradas e intersetoriais em um regime de colaboração interfederativa — afirmou.
Para a presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), Lúcia Maria Teixeira, é fundamental que o plano seja pensado na perspectiva de melhorar as taxas de conclusão do ensino médio, priorizar a qualidade do ensino e a valorização da carreira docente, bem como melhorar a infraestrutura das escolas.
Segundo Lúcia Teixeira, atualmente, a cada ciclo de entrada no ensino médio, cerca de 35% a 40% não se formam.
— É um percentual muito alto de alunos que muitas vezes acabam não estudando e não trabalhando e têm as suas limitações, inclusive no mercado de trabalho, por não terem estudo. Dos quase 3 milhões que ingressaram em 2020 no ensino médio, somente perto de 2 milhões concluíram em 2022. Então, nós deixamos no meio do caminho, desses que entraram neste período, pelo menos 1 milhão de alunos que não estudam.
Ela disse ser essencial o apoio e a valorização das instituições privadas de ensino superior, ampliando tanto o programa de financiamento estudantil, o Fies, como o Prouni. Uma das metas do projeto do novo PNE é elevar o percentual da população de 18 a 24 anos com acesso à graduação a 40% de modo a reduzir as desigualdades entre os diversos grupos sociais. De acordo com o último Censo da Educação Superior, publicado em 2023, atualmente o Brasil registra 20,2% frequentam o ensino superior dentro dessa faixa etária.
Segundo Lúcia Maria Teixeira, enquanto que 80% da formação na educação básica é feita na escola pública, no ensino superior a rede pública atende apenas 20% de formação dos estudantes.
— A gente tem, aqui no Instituto Semesp, diversas pesquisas que atestam que a evasão do aluno que tem esse apoio de financiamento ou de bolsa é mínima, é de 8%, em comparação com a evasão inclusive das universidades públicas e das privadas. Então, apoiar com bolsas e com financiamentos é importantíssimo para que a gente possa acolher este aluno que sai do ensino médio, porque 40% da população do ensino médio têm rendaper capitaaté R$1,45 mil e 81% têm rendaper capitaaté R$3,135 mil. Se não tiverem auxílio com bolsas gratuitas e financiamento subsidiado, o Brasil não vai conseguir aumentar essa meta, não vai conseguir.
O PNE em vigor atualmente é composto por 20 metas e foi aprovado pela Lei 13.005, de 2014 . De acordo com o texto, o Poder Executivo deveria enviar ao Congresso Nacional uma nova proposta até junho de 2023. Como isso não ocorreu, a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) apresentou o Projeto de Lei (PL) 5.665/2023 , para prorrogar o plano atual até 2025. Aprovada pelo Congresso, a prorrogação resultou na Lei 14.934, de 2024.
Em junho deste ano o Executivo encaminhou a proposta do novo PNE ( PL 2.614/2024 ). Ela foi elaborada pelo Ministério da Educação a partir das contribuições de um grupo de trabalho, da sociedade, do Congresso Nacional, de estados, municípios e conselhos de educação. O texto também incluiu sugestões da Conferência Nacional de Educação, realizada em janeiro.
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