Durante a audiência pública realizada nesta quarta-feira (28) na Comissão de Meio Ambiente (CMA), autoridades e especialistas discordaram sobre aspectos socioambientais e econômicos relacionados à hidrovia Araguaia-Tocantins, que interliga as regiões Centro-Oeste e Norte para facilitar as exportações. O senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que presidiu a audiência, expressou preocupação com a situação do Rio Araguaia.
— Infelizmente o que acontece hoje é que o rio está morrendo. Nossa maior riqueza em Goiás e uma das maiores do Brasil. Diversos empresários invadiram o rio e, ao redor dele, instalaram equipamentos gigantescos que vivem o dia todo roubando a água do Rio Araguaia. Esse é um assunto importante para todos nós, especialmente nesse momento que vivemos em relação ao meio ambiente, com tantas queimadas pelo Brasil — declarou.
No requerimento ( REQ 36/2024 - CMA ) apresentado por Kajuru e a senadora Leila Barros (PDT-DF) para a realização da audiência, os parlamentares argumentaram que uma licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para a hidrovia foi fatiada, sem considerar o impacto ambiental total ao longo dos mais de dois mil quilômetros do Rio Araguaia.
Larissa Martins, diretora de sustentabilidade do Ministério de Portos e Aeroportos, defendeu a obra. Ela justificou a dragagem e derrocamento da via navegável da hidrovia do Rio Tocantins, conhecida como Pedral do Lourenço.
— O derrocamento que propomos nada mais é do que a remoção de rochas do leito do rio para que a gente consiga adequar a largura e a profundidade do canal de navegação. Nosso objetivo é garantir o transporte hidroviário na região do Pedral do Lourenço. Esse trecho, de 35 quilômetros, quando falamos em derrocamento, não será feito em toda a largura do rio. Ele é feito de forma calculada e precisa, para que façamos a retirada das pedras de onde é necessário para que a embarcação passe de forma segura — explicou.
O coordenador-geral de licenciamento ambiental de empreendimentos fluviais e pontuais terrestres do Ibama, Edmilson Comparini Maturana, falou sobre a avaliação ambiental da obra, especialmente quanto à atividade pesqueira.
— No diagnóstico socioambiental que elaboramos há a avaliação das medidas de mitigação na própria operação no sentido de minimizar e evitar as áreas mais ocupadas o máximo possível, para que não haja impacto na atividade pesqueira. A ocupação de um mesmo espaço fluvial implica, por vezes, em dificuldades, como a necessidade de uma navegação maior ou mesmo que em algumas áreas não sejam possíveis o desenvolvimento da atividade da pesca, com a devida compensação dessas atividades. Essas previsões, que estavam na licença prévia, têm sido trabalhadas por nós para que haja melhorias. A mitigação e compensação dos impactos devem atender da melhor forma possível a avaliação da nossa equipe técnica — declarou.
Coordenadora de manutenção e serviços aquaviários do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Mariana Vaini de Freitas Daher observou que são três os trechos licenciados no Ibama, e que esse licenciamento foi único na fase prévia, conforme previsto na legislação.
— Licenciamos trechos de dragagem e derrocamento em aproximadamente 200 quilômetros de canal de navegação que se pretende implantar. A emissão da licença prévia ocorreu em 2022 e agora, na fase de licença de instalação, temos projeto, estudos e obra contratados para solicitar o derrocamento, no trecho que vai de Itupiranga (PA) até a Ilha do Bogea (PA). São 35 quilômetros, mas faremos o derrocamento em trechos específicos, onde há pedras pontuais. Da mesma forma, são pontos de dragagem, temos passos críticos de dragagem ao longo desses quilômetros — detalhou.
Secretário especial de estudos e projetos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Bruno de Oliveira Pinheiro informou que, dentro do plano geral de outorgas hidroviários da instituição, a Antaq tem estudos sobre a concessão do Rio Tocantins somente.
— Não há hoje, na Antaq, nenhum estudo sobre o Rio Araguaia. Entre os rios estratégicos que estudamos estão o Tocantins, Madeira, Paraguai, entre outros. Importante pontuar aqui que o projeto da hidrovia é sustentável, o próprio modal hidroviário já é sustentável por si. No Rio Tocantins temos potencial para movimentar 40 milhões de toneladas de carga, isso é 30% do que o Brasil movimenta em todas as suas hidrovias. Quarenta milhões de toneladas representam um milhão de caminhões fora das estradas por ano — ressaltou.
Alberto Akama, pesquisador titular do Museu Paraense Emílio Goeldi, contestou o processo de licenciamento e falou sobre o impacto da obra, que foge da gama do licenciamento e que, segundo ele, é ignorado no processo.
— As falas nessa audiência fizeram referência aos pontos fortes, as coisas bonitas que se podem falar sobre uma hidrovia, mas obscureceram os pontos negativos. O licenciamento inicial que foi feito é um documento muito ruim, existem várias questões não atendidas nesse licenciamento prévio. É preciso entender se essa obra é feita para o povo brasileiro ou para os produtores e mineradores. Nesse pequeno trecho que foi falado, de 212 quilômetros, existem muitos ribeirinhos que já foram impactados pela usina hidrelétrica de Tucuruí. Não há uma preocupação com os impactos globais que uma obra como essa pode vir a causar para um contingente enorme de pessoas — enfatizou.
Procurador da República e procurador regional dos direitos do cidadão no Pará, Sadi Flores Machado destacou a importância dos rios Araguaia e Tocantins para a população local.
— Esses dois rios são patrimônios naturais essenciais para o sustento, sobrevivência e viabilidade da vida de um número expressivo de povos indígenas, quilombolas, pescadores e comunidades ribeirinhas. Essas pessoas têm uma relação orgânica com o rio. A nossa atuação é técnica, temos aqui no Ministério Público Federal uma frente de trabalho que apura as irregularidades nessa intervenção na bacia hidrográfica Araguaia-Tocantins. Nos preocupa imensamente que os dados científicos apresentados pelos pesquisadores não correspondem àquilo que observamos constar no licenciamento, esses estudos nos mostram as omissões existentes nesse procedimento — asseverou.
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