Ações conjuntas do poder público com a sociedade civil, como o compartilhamento de dados e a disseminação de experiências bem-sucedidas, são essenciais para a obter respostas ou encontrar as pessoas desaparecidas no Brasil. É o que manifestaram os participantes de audiência pública na Comissão de Segurança Pública (CSP), nesta quinta-feira (22), sobre a participação social na formulação, definição e controle das ações da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e a associação do desaparecimento com o tráfico humano.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) presidiu a terceira de um ciclo de quatro audiências da CSP. Para a parlamentar, a política nacional vem sendo executada, mas ainda há muito a aprimorar e, para isso, a participação da sociedade civil é essencial.
— Temos o objetivo de fazer a entrega dessa avaliação apontando direções, para que a gente melhore essa política no Brasil. O nosso trabalho não se encerra na audiência pública, mas também está em forma de pesquisa e reuniões paralelas. [...] O tema nos preocupa e nós precisamos dar uma resposta para o Brasil — disse a senadora.
Irmanada pela dor, a presidente da Instituição Mães da Sé, Ivanise Esperidião, encabeça uma luta de quase 30 anos buscando — assim como outras milhares de mães — uma resposta para o desaparecimento da filha, ocorrido quando ela tinha 13 anos, em 23 de dezembro de 1995.
Ivanise explicou que o desaparecimento é multicausal, seja ele voluntário ou forçado. A luta é, segundo a presidente da Mães da Sé, por urgência, já que “o Estado nos deve essa resposta" e os familiares dos desaparecisos precisam "fechar o ciclo”, seja encontrando seus familiares, sendo com a confirmação do falecimento.
— O desaparecimento no Brasil é tratado apenas como estatística, não é tratado como problema de segurança púbica. É uma luta invisível, uma causa solitária. Não existe uma investigação continuada — disse Ivanise, ao pedir mais empatia pela causa.
Rogéria Alves da Cruz, que preside o grupo Mãe Braços Fortes, no Rio de Janeiro, relatou que sua filha desapareceu há 15 anos, quando tinha apenas 11 de idade. Ela também reclamou por mais ação do poder público:
— Não teve uma investigação legal e teve o inquérito arquivado — denunciou.
Já Vera Lúcia Ranu, do Mães em Luta, há 32 anos espera uma resposta pela filha que sumiu aos 13 anos quando ia para a escola no bairro Jaraguá (SP).
— Somos mulheres sem recursos, ajudando outras famílias sem recursos. Temos mais de 15 mil pessoas encontradas. Isso mostra vontade, amor ao próximo — diz Vera.
Representante da Instituição Hope and Justice, Edson Silva chamou atenção para o fato de o desaparecimento de pessoas e tráfico humano não estar relacionado apenas com a saída do país, mas acontecer em território nacional, quando crianças e adultos acabam sequestrados e aliciados, como para a exploração sexual.
— Não podemos trabalhar separadamente, precisamos ter união para combater toda essa cadeia — disse Silva.
O representante da instituição, que no Brasil já atua em Recife, também salientou a necessidade de as pessoas denunciarem, sempre procurando a polícia quando qualquer ação remeter a abuso e tráfico humano.
Pelo menos 80% dos desaparecidos em 2023 em Santa Catarina já foram encontrados. O significativo percentual é resultado do Programa SOS Desaparecidos, instituído em 2012 pela Polícia Militar do estado.
Segundo o chefe do Estado-Maior Geral da Polícia Militar de Santa Catarina, coronel Jailson Aurélio Franzen, os bons resultados na busca e encontro dos desaparecidos também têm a participação da Polícia Civil e da Polícia Científica no estado. Ele disse que tudo começou com a ação solitária de um único policial militar.
O Programa SOS Desaparecidos é abastecido por um software que projeta como está hoje uma criança que desapareceu há tempos. Também é feito busca em redes sociais e identificação dos parentes, com coleta de DNA. Um grande banco de dados fornece informações sobre os desaparecidos.
— Estamos muito longe da perfeição, mas o começo se dá com boa vontade de fazer a diferença. Cabe ao poder público fazer investimentos e, principalmente, ouvir experiências — disse o coronel da PM. Ele enfatizou ainda que existe um banco de dados nacional de desaparecidos, mas que apenas sete estados estão inseridos.
Vice-presidente da Associação Brasiliense de Peritos Papiloscopistas (Asbrapp), Rafael Perseghini Del Sarto defendeu a identificação multibiométrica dos desaparecidos. Com a inserção de tecnologias, o Brasil passou a ter o terceiro maior banco de dados multibiométrico, segundo o especialista.
A Lei 13.964, de 2019 , já autorizou a criação doBanco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A multibiometria combina informações capturadas de diferentes origens biométricas, melhorando o desempenho dos sistemas de reconhecimento.
No Distrito Federal, de janeiro a julho deste ano foram registradas 1.033 ocorrências de desaparecimento. O DF já dispõe de um software que permite fazer o reconhecimento facial para o desaparecimento de pessoas, mas ele não é autônomo, segundo Sarto.
— O sistema de reconhecimento facial sozinho, sem a intervenção de especialistas, não funciona. [...] O banco de dados de biometria tem que ir além do DNA. Tudo isso necessita investimento — enfatizou Del Sarto.
O senador Sergio Moro (União-PR) relatou que em 2022 visitou a sede da Instituição Mães da Sé, em São Paulo, e constatou o esforço associativo das pessoas em situação semelhante.
— Buscaremos da melhor forma possível, no Legislativo, encontrarmos uma forma de contribuição. O grande problema é uma desorganização do poder público para encontrar soluções padrões, definir protocolos. [...] É uma pena que não tenhamos ainda um cadastro claro, de maneira apropriada no nosso Brasil — disse Moro.
Para o senador André Amaral (União-PB), é preciso punir com penas maiores o tráfico de pessoas, já Código Penal estabelece pena de apenas quatro a oito anos de reclusão para esse tipo de crime.
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