A futura lei sobre a regulação do processo estrutural precisa ser concisa e adaptável para assegurar resultados concretos. A opinião é de especialistas que participaram nesta quinta-feira (22) de uma audiência pública promovida pela comissão de juristas criada pelo Senado para apresentar um anteprojeto de lei sobre o assunto.
A expressão processo estrutural surgiu entre as décadas de 1950 e 1970 nos Estados Unidos. O termo se refere a demandas que chegam ao Poder Judiciário quando políticas públicas ou privadas são insuficientes para assegurar determinados direitos. Nesses casos, a discussão é transferida para a Justiça, que usa técnicas de cooperação e negociação para construir uma solução efetiva para o problema.
Para o professor Fredie Didier Júnior, da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o anteprojeto da comissão de juristas “tem que ser bem curto”.
— A lei tem que ser extremamente curta. Não se trata de uma lei para resolver os problemas estruturais do Brasil, até porque não haveria lei possível para fazer isso. A lei é para regular o processo estrutural, e não para a solução dos inúmeros problemas estruturais do país — afirmou.
A professora de Direito Processual Civil Gisele Goes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), reforça a recomendação “de uma postura minimalista”.
— Menos é mais na arquitetura de escolhas do processo estrutural. A lei representa apenas um capítulo de uma longa obra que será constituída e reconstruída nos próximos capítulos. A lei do processo estrutural não deve buscar o detalhamento de procedimentos e técnicas. Uma legislação mínima, para que tenhamos uma maximização de resultados — disse.
Outra sugestão dos especialistas é adoção de um texto flexível. Para Hermes Zaneti Júnior, promotor de Justiça e professor de Direito Processual da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a futura lei deve privilegiar o consenso entre as partes, e não a opinião do juiz.
— Para que haja acordos bem estabilizados, que sejam respeitados pelas partes e gerem engajamento significativo, é preciso que o juiz sugira às partes a oportunidade de se manifestar. Que ele não decida diferentemente do que foi acordado, porque isso pode levar a um desmonte, a um deblacle daquilo que foi objeto da convenção entre as partes — sugeriu.
O professor de Direito Processual Civil e Coletivo Leonardo Silva Nunes, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), sugere outro ponto de flexibilização. Para ele, uma ação já em andamento pode ser convertida em um processo estrutural a qualquer momento da tramitação, desde que antes da sentença — o que não é permitido pelo Código de Processo Civil (CPC) em vigor (Lei 13.105, de 2015).
— Sei que essa ideia é disruptiva, mas vai ao encontro das estabilizações dinâmicas defendidas no processo estrutural. Se o conflito estrutural é móvel e mutável e seus elementos são conhecidos ao processo ao longo de toda a fase de conhecimento, é interessante que se admita essa alteração — defendeu.
A juíza Cintia Menezes Brunetta, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), sugeriu uma terceira ferramenta de flexibilização: a realização de audiências prévias, em que seriam definidos ritos específicos para cada processo estrutural.
— Haveria a possibilidade de definição de procedimentos com base em negócios processuais, em calendários processuais ou em qualquer tipo de Justiça negociada. Existe um problema nesse caso: e se as parte de recusarem ao tratamento estrutural daquela demanda? Minha sugestão é que o juiz oficie ao Ministério Público para que seja ajuizada uma ação civil pública estruturante, que substituirá a demanda original — disse.
Os especialistas também defenderam mecanismos de participação da sociedade no processo estrutural. Para o professor de Direito Processual Civil Antonio do Passo Cabral, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a medida poderia “incrementar o contraditório e o contato do Poder judiciário com os envolvidos”.
— Nos processos coletivos em geral, a participação dos interessados tem sido problemática. Especialmente nos casos que envolvem controle de políticas púbicas, temos que avançar. Eu queria chamar atenção para outras formas possíveis de participação, como votações nas comunidades para a indicação de líderes ou porta-vozes e formação de comitês para intermediar o diálogo entre os grupos envolvidos e o Poder Judiciário — destacou.
O relator da comissão de juristas, desembargador Edilson Vitorelli, do TRF-6, recebeu as sugestões dos especialistas. Para ele, o papel do anteprojeto de lei “é não atrapalhar”.
— O papel é construir. Para contribuir, precisa ser um texto de pontos nevrálgicos, sem excessos de redação, sem excessos de texto. Nossa proposta minimalista está muito clara e acho que foi bem aceita pelos especialistas ouvidos — disse.
O vice-presidente da comissão de juristas, ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), disse que a futura lei não pode trazer retrocessos.
— Todos querem flexibilidade porque o processo estrutural, embora exista e funcione, trabalha na base da tentativa e do erro. Se você amarrar muito as coisas, não pode fazer experimentações. Mas essa flexibilidade não prejudicar o fluxo do processo estrutural porque há também um compromisso de que a coisa termine — sublinhou.
A comissão de juristas foi criada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Os juristas devem apresentar o anteprojeto do processo estrutural até 12 de dezembro. O colegiado é presidido pelo subprocurador-geral da República Augusto Aras.
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