Participantes de audiência pública da Comissão do Rio Grande do Sul nesta segunda-feira (1) defenderam a necessidade urgente de políticas específicas para atender populações deslocadas por calamidades climáticas. O foco do debate foi o deslocamento em massa observado principalmente depois das fortes chuvas que atingiram o estado em maio, afetando mais de 95% municípios gaúchos e deixando 179 mortos e 33 desaparecidos. A reunião atendeu a requerimento do presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS).
Paim destacou a vulnerabilidade dos brasileiros, especialmente dos gaúchos, frente às mudanças climáticas. Ele considerou necessária e urgente a elaboração de políticas públicas para os deslocados internos, ou seja, as pessoas que perderam suas casas e empregos e têm sido agora obrigadas a mudar de moradia. O parlamentar salientou, no entanto, que esses cidadãos têm direitos que merecem ser assegurados, como a proteção e a assistência durante as fases de deslocamento, a reinstalação e a reintegração, com segurança, nutrição, saúde e higiene.
— O Brasil, como um dos países mais afetados nesse tipo de problema, pode exercer um papel de liderança nessa situação, implementando políticas humanitárias que respeitem os direitos humanos e o meio ambiente, buscando também a sustentabilidade. Destaco que, no ano passado, mais de 32 milhões de pessoas foram deslocadas em todo o mundo devido a desastres naturais. Somando outros fatores como guerras, conflitos, violência e perseguições políticas, o mundo registrou um recorde histórico de quase 76 milhões de pessoas deslocadas em 2023.
Ao reforçar que as inundações resultaram numa grave crise humanitária no Rio Grande do Sul, Paim pontuou problemas como a economia afetada em todos os setores, estradas e pontes destruídas, além de cidades submersas. Dos 497 municípios, 478 foram atingidos, prejudicando diretamente mais de 2,3 milhões de pessoas. De acordo com a Defesa Civil, desde maio já houve 538 mil deslocados internos no estado devido às inundações.
O senador Ireneu Orth (PP-RS) considerou as enchentes no estado uma catástrofe natural, onde os políticos precisam implementar medidas preventivas como o represamento de águas e o desassoreamento dos rios, além do fim da construção de casas próximas a rios. Para o parlamentar, a liberação de recursos também está entre as iniciativas mais efetivas e urgentes dos governos municipais, estadual e federal.
— Fundamental é a alocação de recursos, e esse é o nosso compromisso, para não deixarmos nossos irmãos desalojados. O governo do estado está trabalhando, mas com quantidades de água tão grandes não há muito o que fazer. Teremos de realocar a população e disponibilizar recursos. Um trabalho árduo, de muito tempo, de anos, e essa comissão tem a missão justamente de ouvir a população e orientar os governos, cada um na sua posição.
A importância de o governo promover uma expansão fiscal em benefício do Rio Grande do Sul, a fim de que a população tenha acesso a dinheiro para recuperar o ambiente de negócios no estado, também foi defendida no debate. Para o relator da comissão, senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), a União precisa entender a necessidade de uma expansão fiscal para que as pessoas tenham acesso a empréstimos com longo prazo de quitação. O intuito, segundo ele, é ajudar na recuperação das micros e pequenas empresas da região.
— Há uma parcela que tem condições de pagar, mas outra imensa maioria que não pode. É preciso atender essas pessoas. Não adianta dizer a quem tinha salão de beleza que se pode ir ao banco tomar um empréstimo de R$ 100 mil, se ela não tem como quitar. Ela tem de receber esse dinheiro, dando-se aí um prazo de 10, 12 anos para devolver [esse eventual empréstimo], com o fruto do trabalho dela. E não só para o salão, mas para a barbearia, o mercadinho e tudo o que havia no lugar.
Representante de Ministério da Justiça e Segurança Pública, o tenente-coronel Jaldemar Ribeiro Pimentel Júnior disse que deslocamentos internos estão no foco do governo desde a Operação Acolhida, implementada em 2018 para responder ao fluxo migratório intenso de venezuelanos na fronteira entre Venezuela e Brasil. Ele relatou a preocupação com os índices de violência em virtude da crise econômica e humanitária que afetou o Rio Grande do Sul, mas afirmou que a Força Nacional atuará junto ao povo gaúcho enquanto for necessário.
— Agora a necessidade é de segurança, e não mais de defesa civil, e se o Estado não estiver presente, a preocupação é com situações inclusive de violência. A população está voltando para suas casas e vendo que não têm mais condição de moradia. As pessoas acreditam que estão voltando para um lugar que simplesmente não existe mais — salientou.
A oficial de proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur Brasil), Silvia Sander, destacou um senso de urgência do órgão em participar do debate da Comissão do Rio Grande do Sul. A debatedora defendeu ações multissetoriais voltadas à assistência social, bem como a elaboração de planejamentos de contingência com vistas ao enfrentamento dessas situações.
— [É preciso] garantir que as regiões mais sujeitas a eventos climáticos extremos contem com um mapeamento de riscos, por exemplo. Contextos de pobreza, número de pessoas morando em áreas mais expostas, características dessas populações, se são indígenas ou quilombolas, temas como rotas de evacuação e acesso seguro, entre outras questões, precisam aparecer — sublinhou Silvia, lembrando que as mudanças climáticas são a razão mais relevante das migrações em todo o mundo.
Ela observou que no Rio Grande do Sul existem atualmente cerca de 43 mil pessoas refugiadas, vindas de países como a África, que agora, mais uma vez, são afetadas por uma nova tragédia. Além disso, Silvia alertou para o fato de o estado estar enfrentando outro desafio: o de lidar com 47 milhões de toneladas de lixo, o que representa 61% de todo o detrito gerado no país em um ano inteiro.
O consultor legislativo do Senado Federal Tarciso Dal Maso Jardim ressaltou a necessidade de reforço dos serviços assistenciais, como saúde, bem como o amparo para acesso à documentação e recuperação de propriedades e bens, sempre que possível. Ele mencionou o Projeto de Lei (PL) 2.038/2024 , apresentado por Paulo Paim, que institui a política nacional de deslocamentos internos e trata de temas ainda mais abrangentes do que a tragédia que afetou o Rio Grande do Sul.
— O projeto toma o cuidado de propor medidas emergenciais e duradouras. Ele foi inspirado nos princípios orientadores das Nações Unidas e tomou a experiência de países latino-americanos. A tonalidade brasileira foi dada pelo olhar à Operação Acolhida [implementada para responder o fluxo migratório intenso de venezuelanos na fronteira entre os dois países]. Essa legislação é prospectiva, traz o fator social e tem a reintegração como palavra-chave.
Esta foi a sétima reunião da Comissão do Rio Grande do Sul, instalada em maio pelo Senado com a finalidade de acompanhar, por tempo indeterminado, as atividades relativas ao enfrentamento da calamidade ocasionada pelas fortes chuvas que atingiram o estado e apresentar medidas legislativas para auxiliar na superação da situação.
Além da perda de vidas, do colapso na oferta de serviços públicos e da destruição de cidades e bairros inteiros, as enchentes danificaram severamente a infraestrutura do estado, com perda de estradas e pontes e alagamento até do aeroporto internacional de Porto Alegre. Dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul apontam que 90% das indústrias do estado foram atingidas pelas cheias, de proporções inéditas. Ao mesmo tempo, houve perda de grande parte da safra e extensas áreas agricultáveis permanecem alagadas ou impróprias para o plantio.
De acordo com a Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS-Ascar), entre 30 de abril a 24 de maio, mais de 206 mil propriedades rurais foram afetadas pelas enchentes, com prejuízos em produção e infraestrutura. Será preciso recuperar mais de 3,2 milhões hectares de terras para cultivo afetadas pelas enchentes.
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