O Conselho de Comunicação Social do Congresso (CCS) debateu nesta segunda-feira (4) a remuneração do conteúdo jornalístico pelas plataformas digitais, as chamadas big techs. Na audiência pública, debatedores discutiram os critérios e estratégias que garantam a sustentabilidade da atividade jornalística e regras mais transparentes na atuação das plataformas e redes sociais.
De acordo com Marisa von Bülow, professora da Universidade de Brasília (UnB), o debate é complexo e envolve questão inter-relacionadas, como: quem tem direito a receber a remuneração, qual a definição de jornalismo profissional, o que deveria ser remunerado e quem deve pagar.
— Temos uma camada adicional de complexidade que tem a ver com o uso da inteligência artificial, o uso de bancos de dados de jornais para alimentar e treinar aplicativos e modelos de inteligência artificial — declarou.
A professora afirma que há um problema de falta de dados das plataformas digitais e de informações dos próprios acordos sobre o tema realizados em outros países. Segundo ela, essa falta de transparência prejudica o processo decisório no Brasil. Ela disse ainda que é preciso evitar que o debate se concentre nas duas maiores empresas, o Google, principal mecanismo de busca na internet, e a Meta, responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp.
— O diagnóstico aponta que não é só uma questão de recurso para o jornalismo. É uma questão também sobre como as plataformas estão funcionado e como estão difundindo, distribuindo e usando o conteúdo — disse.
O objetivo da audiência pública realizada foi o de subsidiar o relatório do Conselho sobre projetos de lei que tratam do tema. O documento está sendo elaborado pelos conselheiros João Camilo Júnior, Valderez Donzelli, Maria José Braga, Sonia Santana, Davi Emerich e Patricia Blanco.
Em participação remota, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, afirmou que o debate sobre a remuneração está relacionado com a liberdade de imprensa e o valor social do jornalismo no combate à desinformação. Segundo ele, a imprensa profissional vem sendo “devastada financeiramente”, até mesmo no caso de veículos nativos digitais, que já nasceram na era da internet.
— Não é liberdade de imprensa pela liberdade de imprensa, mas pelo que ela significa para a estabilidade mundial e para a democracia no planeta. O esforço tem que ser feito não pelo meio, de que forma nós vamos chegar lá, e entender qual é a eficácia que nós temos para, de um lado, reverter a decomposição do jornalismo profissional e, de outro, estimular o surgimento de novas iniciativas — afirmou.
Francisco Brito Cruz, diretor executivo da organização de pesquisa InternetLab, declarou ser necessária uma visão “holística” que considere os diversos enquadramentos do problema, inclusive o de que a transformação digital desorganizou o mercado do jornalismo. Para ele, a questão da remuneração deve ser alvo de soluções de curto e longo prazo.
— Me parece existir um cenário que clama por uma intervenção mais abrangente, mas estratégica e mais em longo prazo e não só essa transferência obrigatória [de recursos], mas uma verdadeira política de Estado — disse em participação por videoconferência.
A conselheira Maria José Braga, representante da categoria profissional dos jornalistas, defendeu um fundo público de apoio e fomento ao jornalismo que seja transparente, com critérios e que não seja usado para "fortalecer oligopólios". Segundo ela, é preciso de mais de uma alternativa para o financiamento e fortalecimento das organizações jornalísticas. A existência do fundo, de acordo com a conselheira, não eliminaria o debate sobre a remuneração da utilização do conteúdo pelas plataformas.
— Se eu fiz um trabalho e alguém está usando esse meu trabalho para ganhar mais dinheiro, ou seja, para obter lucros, então eu, por direito, tenho de ficar com, pelo menos, um pequeno porcentual desse lucro que está sendo gerado com o meu trabalho. Isso vale para as empresas jornalísticas e também para as outras organizações que produzem jornalismo — argumentou a conselheira.
Representante da sociedade civil no Conselho, a jornalista Bia Barbosa defendeu a retomada da tramitação dos projetos que tratam sobre a remuneração por conteúdos na internet. Para ela, o assunto deveria ser tratado com prioridade no Legislativo. Apesar de defender o debate aprofundado do tema, o conselheiro João Camilo Júnior, representante das empresas de televisão, manifestou preocupação com a perda de vista da urgência etimingpolítico para aprovar uma regulamentação.
Em 2023, a remuneração de conteúdos jornalísticos foi debatida e incluída no relatório do PL 2.630/2020 , conhecido como Projeto das Fakes News, que responsabiliza plataforma pela veiculação de notícias falsas e pela desinformação. A proposta, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), foi aprovada no Senado em setembro de 2020 e tramita atualmente na Câmara dos Deputados. Por falta de consenso entre os deputados e após forte pressão dasbig techs, o texto foi retirado de pauta e não foi votado.
No Congresso, há vários projetos de lei sobre o tema e sobre a revisão da a Lei dos Direitos Autorais. Também na Câmara tramita o PL 2.370/2019, que, entre outras medidas, obriga plataformas digitais a remunerar artistas e empresas jornalísticas pelo conteúdo criado.
O colegiado é um órgão auxiliar do Congresso e tem como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações sobre comunicação social no Brasil. O Conselho está previsto na Constituição Federal de 1988, mas só foi criado em 1991. É composto por 13 membros titulares e 13 suplentes, entre representantes do setor midiático e integrantes da sociedade civil.
A reunião desta segunda-feira foi presidida por Patricia Blanco, vice-presidente do Conselho. Ela mencionou no encontro que o assunto da remuneração jornalística na internet já foi debatida em audiência em agosto do ano passado, mas não foi suficiente para a produção de um relatório sobre o tema.
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