O Dia Internacional das Mulheres e Meninas Cientistas, 11 de fevereiro, é uma data para celebrarmos o quanto avançamos até aqui para garantir a equidade entre os gêneros na Ciência e estarmos vigilantes de que essas conquistas não foram gratuitas – e ainda há muito o que avançar
Afinal, quantas mulheres cientistas você consegue citar de cabeça, sem recorrer a um mecanismo de busca pela internet? Neste 11 de fevereiro, Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) presta uma homenagem àquelas que se dedicam a ampliar os horizontes do conhecimento humano. A data é um lembrete da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) de que precisamos delas para alcançar um desenvolvimento sustentável. Como também, é uma oportunidade para fazer com que mulheres inspirem meninas a superarem velhas barreiras.
As personagens dessa história são colaboradoras e servidoras das Forças de Segurança e alunas dos colégios da Polícia Militar do Ceará (PMCE) e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE). Além de compartilharem o mesmo gênero, elas desbravam uma área tradicionalmente habitada por homens. Não apenas porque 97% dos Prêmios Nobel de Ciência tenham sido entregues a eles, mas também porque a pesquisa científica nacional ainda atribui uma posição de destaque ao público masculino, enquanto relega às mulheres uma função secundária.
“A Virgínia Woolf escreveu um livro chamado ´Um Teto Todo Seu´ respondendo a um questionamento sobre o que as mulheres precisam para escrever ficção. No início do século XX, só os homens escreviam. ´Um Teto Todo Seu´ fala que eles escreviam ficção porque possuem paz, têm espaço, tempo: tudo contribui para eles escreverem. Eles não são incomodados com as minúcias do dia a dia. Tem alguém cuidando do filho dele, da higiene do lar, da comida dele e, em geral, essa pessoa é uma mulher. E isso se aplica a vários outros ambientes, incluindo na pesquisa científica”, argumenta Giovanna Lima Santiago, doutoranda em Sociologia.
Giovanna é uma das mulheres cientistas da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) da SSPDS. Antes mesmo de se tornar cientista social e assessorar pesquisas e projetos estratégicos pela Diretoria de Pesquisa e Avaliação de Políticas de Segurança Pública (Dipas) da Supesp, ela também sentiu a necessidade de ter “Um Teto Todo Dela”. A segurança de iniciar uma carreira mais tradicional, como advogada, veio primeiro, atrelada à ideia de não cair na armadilha de priorizar a realização afetiva, ou a constituição de uma família. E só depois a carreira como socióloga bateu à porta.
“As estatísticas apontam que as mulheres recebem menos bolsas de pesquisa que os homens e, mesmo no período de gestação, os prazos de entrega não diferem significativamente daqueles aplicados a eles”, comenta a doutora em Contabilidade Societária, Lívia Castro. Aliás, a noção de dirrimir as disparidades e abraçar as particularidades daquele que já foi descrito como “o Segundo Sexo” estão na pauta de debate nacional. Também já era tempo: o acúmulo de funções como cientistas; trabalho formal, para além dos muros das universidades; e os afazeres domésticos pode acabar desestimulando às novas gerações mergulharem de cabeça na Ciência.
“Infelizmente, as mulheres sofrem discriminação em praticamente todos os âmbitos da sociedade e na pesquisa científica não é diferente. Para mim, é algo tão frequente que já me acostumei. Tento, de alguma forma, aprender com essas situações embaraçosas”, complementa Livia Castro, perita em documentoscopia da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce). Além de se manter firme pela fé, o apoio do marido, que também é professor universitário, é combustível extra para se aperfeiçoar como servidora pública e pesquisadora. “Dificilmente teria conseguido concluir o doutorado sem o apoio dele”, reconhece.
Nem beckers, nem microscópios e nem telescópios. Para além de alinharem a atividade acadêmica com o trabalho na SSPDS, outro diferencial de Giovanna e Lívia é que elas não trabalham em laboratórios convencionais. Quer dizer, você encontra na Perícia Forense laboratórios de criminalística capazes de analisar detalhadamente provas colhidas em cenas de crimes. Ainda assim, no caso das duas, o mais correto é afirmar que a Ciência ganhou uma face mais contemporânea. Ela está embasada em evidências, conhecimento técnico e em um aparato tecnológico cada vez mais especializado para atender uma determinada finalidade.
“A gente produz estudos com base nas estatísticas e nos indicadores criminais e usa esses dados para compreender melhor algumas realidade locais. Então, traçamos panoramas socioeconômicos e sociohistóricos de municípios e áreas do Estado, buscando entender o porquê de uma maior incidência de determinado crime em determinada região. Também realizamos estudos temáticos sobre violências contra grupos vulneráveis, para podermos subsidiar as demais secretarias a formularem políticas públicas de prevenção a esses tipos de violência”, é como a cientista social Giovanna Sampaio resume o próprio trabalho como assessora da Supesp.
Um dos resultados do trabalho desenvolvido por Giovanna é o plano de expansão da Rede de Proteção à Mulher. Hoje, o Ceará dispõe de 10 Delegacias de Defesa da Mulher e a meta é ampliar essa rede de atendimento, levando em consideração as demandas apresentadas no Plano Plurianual Participativo (PPA 2023-2027). “Outro exemplo muito palpável foram os diagnósticos de violência e vulnerabilidade dos 10 municípios atendidos pelo Previo (Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência). Nós cruzamos os indicadores criminais com as bases de dados de outras secretarias do Governo do Ceará, para saber, dentro desses municípios, quais os microterritórios devam receber uma atuação prioritária do Estado”, cita.
A dedicação à pesquisa científica e a produção acadêmica também gera impactos no trabalho desempenhado pela perita Lívia Castro. Ao aprofundar os conhecimentos sobre os aspectos contábil, financeiro, fiscal e tributário das empresas no sistema econômico, Lívia passou a ter um olhar mais afiado ao submeter laudos referentes a perícias contábeis e documentoscópicas. O equipamento mais utilizado é o Duplo Condensador Espectral de Vídeo, que utiliza luzes como o infravermelho e o ultravioleta e é o que há de mais moderno nessa área da perícia técnica.
“Os crimes analisados na perícia contábil são quase sempre casos decorrentes de fraudes, que podem ser contra Administração Pública, como no caso de contratações públicas e licitações; como também fraudes entre empresários e entes fiscais; e, até mesmo, entre gestores e acionistas. A pesquisa em Contabilidade Societária me auxilia bastante a compreender o possível comportamento de fraude, para que eu possa agir com um rigor metodológico maior na inspeção dos documentos a serem analisados e ajudar na conclusão de cada caso”, garante.
É difícil encontrar uma criança, ou uma adolescente, que almeje seguir carreira científica. Nesse âmbito, a participação das alunas do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) e da Polícia Militar do Ceará (PMCE) em grupos preparatórios para olimpíadas científicas têm como principal objetivo um futuro profissional promissor, sobretudo em áreas mais tradicionais, como a medicina e as engenharias. Soma-se a isso o fato de que, de uma maneira geral, os nomes e as contribuições das mulheres cientistas não são muitas citados quando frequentamos o Ensino Fundamental e Médio. Se há um cientista em destaque nos livros da nossa época, provavelmente ele é branco, europeu ou americano, heterossexual e, sem dúvida, é mais um homem.
A jovem Érila Gomes, estudante do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Militar do Corpo de Bombeiros (CMCB) Rachel de Queiroz, é uma prova de que essa realidade está em vias de mudar. Ela já alcançou medalhas de Ouro na Olimpíada Nacional de Ciência (ONC), na Olimpíada Brasileira de Raciocínio Lógico (BRL) e na Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA). “À medida que a gente vai criando amizades, passa a encarar a preparação das olimpíadas de um modo diferente. Elas não são obrigatórias, necessariamente, a gente faz com gosto. Então, o estudo deixa de ser uma obrigação para ser uma atividade prazerosa, que traz satisfação e até mesmo alegria”, comenta a estudante de 16 anos.
“O que eu busco estudando é um dia, quem sabe, contribuir para a sociedade e fazer o meu melhor para o maior número de pessoas, porque acredito que esse é o objetivo da Ciência”, argumenta Cailane Araújo Monteiro, também de 16 anos. A estudante do 2º ano do Ensino Médio do Colégio da Polícia Militar do Ceará General Edgard Facó também já conquistou uma medalha de ouro na Olimpíada Nacional de Ciências e recebeu a medalha de Prata no Prêmio de Eficiência Energética da Enel. Sobre o futuro que ela deseja para si daqui há alguns anos, ela não vacila: “Quero fazer faculdade no ITA (Instituto de Tecnologia da Aeronáutica)”.
Se fosse possível oferecer um conselho, uma mensagem guardada em segurança numa cápsula do tempo, para essas pessoas que podem vir a escolher se tornarem a próxima geração de mulheres cientistas, a socióloga Giovanna Santiago aconselharia “construam a própria autonomia”. “Sejam autônomas em todos aspectos. A gente é ensinada, desde cedo, a priorizar determinadas áreas da vida, como: o amor romântico, constituir uma família, papéis de gênero que são impostos, muito incisivamente desde muito cedo, às meninas. Não precisa. Tudo tem seu tempo. Construam a sua própria autonomia emocional e financeira. Sejam felizes e autônomas em primeiro lugar”, recomenda, contendo a emoção.
Pode parecer confuso, ainda assim cada mulher é um infinito particular e o conselho da perita Lívia vem na direção oposta. “De um jeito ou de outro, você tem que se planejar para fazer duas, ou mais coisas, ao mesmo tempo. Não vai chegar o momento ideal de fazer o mestrado, o momento ideal será o dia de você iniciar, apesar do trabalho, estudos, filhos, família, tudo. Eu entendo que realização profissional é algo que se passa a vida toda construindo. Na minha experiência, eu posso dizer que não tenha medo, pois o amor de Deus reage ao nosso esforço”, sugere. De preferência, com alguém que lhe apoie a alçar voos mais altos.
O certo é que essa disparidade entre os gêneros vai se modificando, de geração em geração, ainda que para alguns caminhe vagarosamente. “Eu acredito que, atualmente, o mundo é bem mais flexível e as mulheres conseguem ter bem mais liberdade do que nos tempos mais antigos. Não necessariamente ter uma família, ou querer ter uma família, vai me fazer abdicar de toda uma carreira. Claro, em alguns momentos, será preciso conciliar, mas (hoje) as mulheres possuem a liberdade de se dedicar à carreira que quiserem”, contra-argumenta Érila Gomes, estudante do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Militar do Corpo de Bombeiros.
“Quando penso em meu futuro, penso na minha carreira e em conseguir a minha própria estabilidade financeira, para não depender de ninguém e ter minhas próprias coisas. Também me imagino concluindo uma boa faculdade. Mas não me imagino casada, ou com filhos. Acho que esse é o meu foco principal: fazer uma faculdade, ter um emprego e conquistar a minha estabilidade financeira”, reflete Cailane.
Em 22 de dezembro de 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu o Dia Internacional das Mulheres, a ser comemorado todos os anos no dia 11 de fevereiro. A data é celebrada pela Unesco e pela ONU Mulheres em colaboração com instituições e parceiros da sociedade civil, que têm como objetivo fomentar o papel de mulheres e meninas na ciência.
“Este Dia é uma oportunidade para promover, de forma plena e igualitária, o acesso à Ciência e a participação de mulheres e meninas nessa área. A igualdade de gênero é uma prioridade global e o apoio a jovens meninas, sua formação e suas habilidades plenas para fazer com que suas ideias sejam ouvidas impulsionam o desenvolvimento e a paz” divulga o site da Unesco.
“Enfrentar alguns dos maiores desafios da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável – que vão da melhoria da saúde ao combate à mudança climática – dependerá do aproveitamento de todos os talentos. Isso significa fazer com que mais mulheres trabalhem nessas áreas. A diversidade na área de pesquisa amplia o grupo de pesquisadores talentosos, trazendo novas perspectivas, novas aptidões e criatividade”, destaca a publicação.
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