Elias José Alfredo, do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe, classificou como um momento histórico de grande relevância para a militância do povo negro, o posicionamento do Banco do Brasil que, em carta aberta aos movimentos negros, pediu perdão pela participação da instituição financeira no processo de escravidão do povo negro no país. No entanto, para ele, o debate tem que ser em relação à divida do Estado brasileiro com o povo negro.
“Discutir a reparação do Estado brasileiro é compreender a história do que nossos antepassados passaram e entender o presente e as consequências desta história. É entender a letalidade sofrida por negros e negras pela polícia brasileira. É perceber que ainda somos minoria no mundo acadêmico. Há uma dívida histórica do Estado brasileiro com descendentes de africanos. O Banco do Brasil é uma instituição. Mas nosso debate é em relação à dívida que o Estado brasileiro tem para conosco. Não se trata de favor”.
Em carta aberta aos movimentos negros, lida neste sábado (18) pelo gerente-executivo de Relações Institucionais do BB, André Machado, a instituição pediu perdão aos povos negros motivado pelo inquérito civil que investiga as responsabilidades e a participação do banco na escravidão e no tráfico de pessoas negras no século 19.
“Momentos como esse em que lideranças negras das mais diversas origens e campos sociais reúnem-se em torno do debate sobre temas ligados à escravidão e suas consequências demonstram quão urgente precisamos avançar no combate ao racismo estrutural da nossa sociedade”, afirmou.
Machado disse ainda que “as sequelas de um processo histórico perverso que atingiu as comunidades negras e seus descendentes ainda esperam novas medidas estruturais de todas as esferas sociais que tenham a capacidade de enfrentar e transformar esse triste cenário. Direta ou indiretamente, toda a sociedade brasileira deve pedir desculpa aos povos negros por aqueles momentos tristes da nossa história”.
O gerente-executivo de Relações Institucionais do BB ressaltou também que, nesse contexto, “o Banco do Brasil de hoje pede perdão aos povos negros pelas suas versões predecessoras e hoje trabalha intensamente para enfrentar o racismo estrutural no país. O Banco do Brasil não se furta a aprofundar o conhecimento e encarar a real história das versões anteriores da empresa,” afirmou.
A carta foi lida em audiência pública organizada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro (PRDC/RJ) do Ministério Público Federal (MPF) e intitulada “Consciência negra e reparação da escravidão”, promovida neste sábado (18), no Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, na zona norte do Rio de Janeiro.
O objetivo da audiência foi promover a reflexão sobre o tema para garantir que crimes contra a humanidade como esse jamais se repitam, além de garantir mecanismos de reparação com um olhar voltado para o presente e o futuro, em uma discussão sobre memória, verdade e justiça.
A representante do Ministério da Igualdade Racial, Raquel Barros, disse que para a pasta o tema da reparação é muito fundamental porque se liga diretamente ao debate sobre promoção de políticas públicas. “O ministério tem se colocado de forma profundamente implicado com essa temática até porque ela se coloca como um dos nossos eixos de atuação de direito à vida, direito à memória e reparação, direito à educação e inclusão e direito à terra. A gente sabe que para combater as desigualdades sociais que são profundamente arraigadas no processo histórico de escravidão, a gente precisa debater essa questão porque a gente sabe que é uma reverberação que continua no presente”, afirmou Raquel.
O procurador Julio José Araujo Junior, que assina o inquérito civil com os procuradores Jaime Mitropoulos e Aline Caixeta, disse que o motivo da audiência pública é debater o tema com os diferentes setores da sociedade brasileira, sobretudo os movimentos negros. “O que a gente quer aqui é fortalecer uma agenda de direitos. Nada mais natural que a gente faça isso nessa instituição centenária. No mundo inteiro se discute reparação. É fundamental que a gente olhe para pessoas, famílias e instituições que de alguma forma se beneficiaram à custa da escravidão”, disse o procurador.
A PRDC/RJ deu início a um inquérito civil após uma manifestação apresentada por um grupo de professores e universitários, oriundos de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, que realizaram uma pesquisa que aponta para a negação e o silêncio sobre a participação de instituições brasileiras na escravização de pessoas.
No caso do Banco do Brasil, os historiadores apontaram que havia uma relação de “mão dupla” da instituição financeira com a economia escravista da época, que se revelava no quadro de sócios e na diretoria do banco, formados em boa parte por pessoas ligadas à escravidão e ao comércio clandestino de africanos.
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