Apesar de proibido no Brasil desde 2009, o comércio de cigarros eletrônicos — acompanhado do uso indiscriminado — é uma realidade. Os riscos ocasionados por essa prática nortearam as preocupações dos senadores da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), que nesta quinta-feira (28) participaram de audiência pública sobre o tema.
Foram apresentados quatro requerimentos para essa audiência, solicitada pelos senadores Paulo Paim (PT-RS), Soraya Thronicke (Podemos-MS), Eduardo Girão (Novo-CE), Damares Alves (Republicanos-DF), Dr. Hiran (PP-RR) e Mara Gabrilli (PSD-SP).
Para a senadora Soraya Thronicke, que presidiu a reunião, “muito mais perigoso do que regulamentar, é não regulamentar, por não sabermos quais as substâncias nossa população está consumindo”.
— Se faz urgente uma proposta regulatória de acordo com a nossa realidade — afirmou a parlamentar.
Presidente da Frente Parlamentar Mista de Medicina, o senador Dr. Hiran enfatizou que nunca fumou, não gosta de ser fumante passivo, mas defende a vontade de quem quer fumar. Para o parlamentar, a maneira menos adequada de combater o problema “é fazer de conta que não existe”.
— A gente precisa começar a informar, como na política antitabaco. Precisamos fazer uma campanha inteligente, direcionada, para conscientizar, para educar os jovens sobre os efeitos nefastos que esses dispositivos, dependendo da sua composição, podem fazer mal à saúde das pessoas — afirmou Dr. Hiran, que condenou os produtos flavorizados (com sabor), que estimulam principalmente o olfato e paladar de crianças e adolescentes.
O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) destacou que o foco da discussão é a saúde e que a preocupação é com uma população jovem que está entrando numa situação de vício.
— Os jovens não têm acesso [à informação] do que estão inalando. (...) Para regulamentar, para isso ir para o mercado, temos de ter toda a certeza de que isso não vai fazer mal para a saúde humana, principalmente para os jovens.
Em março deste ano, o Senado desarquivou o PLS 473/2018 , que proíbe a comercialização, a importação e a publicidade dos cigarros eletrônicos. De autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o projeto acrescenta artigo à Lei 9.294, de 1996 , para estabelecer que essa proibição atinge qualquer bem usado em substituição ao cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo ou qualquer outro produto fumígeno.
No Brasil, a regulamentação dos produtos fumígenos está sob responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que desde 2009, por meio da Resolução 46, proíbe a comercialização, a importação e a propaganda dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs).
Mesmo num cenário de proibição de comercialização, 16,8% dos adolescentes a partir de 13 anos já experimentaram DEFs. Pesquisa Nacional de Saúde (2019) mostrou que 70% dos usuários têm entre 15 e 24 anos.
Em pesquisa mais recente do Sistema Vigitel (2023), do Ministério da Saúde, concluiu-se que o uso de DEFs entre adultos com mais de 24 anos de idade é 75% inferior quando comparado com pessoas de 18 a 24 anos e que 60% dos jovens que usam DEFs nunca fumaram cigarros convencionais.
Os jovens são especialmente atraídos por diversas ofertas de saborizantes, aromas e sais de nicotina utilizados nos líquidos dos cigarros eletrônicos, com produtos sem qualquer controle.
Assessora técnica do Instituto Nacional do Câncer e secretária-executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos do Ministério da Saúde, Vera Luiza da Costa e Silva afirmou que muitos países, onde o consumo é liberado, estão revendo suas políticas para tornar as legislações mais rígidas.
— Liberar esses produtos, na verdade, estimula o seu consumo. (...) Estamos criando adultos fumantes, porque esses adolescentes quando não tem um dispositivo eletrônico para fumar avançam para os cigarros convencionais. Segundo a representante do Ministério da Saúde, os DEFs estão levando uma parcela da população que não fumava a criar o hábito.
Vera Costa e Silva enfatizou ainda que será preciso gastar dez vez mais com o Sistema Único de Saúde para o tratamento dos usuários, quando comparado com o montante que poderia ser arrecadado caso legalizado.
Para o conselheiro pelo estado do Paraná do Conselho Federal de Medicina (CFM), Alcindo Cerci Neto, a proibição deve continuar. Ele lembrou que o órgão apoia integralmente, desde 2009, a decisão de Anvisa de proibir o comércio e importação de cigarro eletrônico, e que desde então promovem campanhas alertando aos médicos e à população.
Em setembro de 2019, segundo Neto, foram detectadas doenças pulmonares associadas ao cigarro eletrônico, com patologia altamente letal.
— O cigarro eletrônico não é vapor de água. A fumaça é combustão de substâncias nocivas e não se controla nos produtos que se compra a quantidade de nicotina — diz o representante do CFM.
Neto expôs ainda que há uma premissa falsa de que o cigarro eletrônico não vicia.
— Vicia. Nicotina causa dependência — complementou, ao afirmar que há importante associação com a precocidade de se começar a fumar e a perpetuação da dependência. Segundo o médico, o cigarro eletrônico também aumenta a possibilidade de se levar ao uso da maconha ou outros cigarros convencionais.
Da mesma forma, a diretora-geral da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) Promoção da Saúde, Mônica Andreis também reiterou que os números comprovam que os jovens estão iniciando o fumo com o cigarro eletrônico, e não como substituição ao cigarro convencional, como querem preconizar defensores do produto.
Para Mônica, está-se diante de mais uma estratégia da indústria do tabaco para reconquistar o mercado do cigarro reduzido ao longo dos anos.
— É disto que se trata. Um produto que é modificado, com tecnologia diferente do cigarro convencional, objeto de exploração comercial por uma indústria que lucra com a dependência de seus consumidores — afirma Mônica.
Ela destacou ainda que pesquisa do Datafolha, de agosto de 2023, apontou que 79% dos entrevistados são a favor que DEFs continuem sendo proibidos no Brasil.
Ex-diretor presidente da Anvisa, o farmacêutico Dirceu Barbano afirmou que há 14 anos — quando da Resolução da Anvisa — sabia-se muito pouco sobre os cigarros eletrônicos.
— De fato, nós não tínhamos condições técnicas, informações sobre esses produtos. (...) De lá para cá, muita coisa mudou.
Segundo Barbano, além do Brasil, outros 36 países proíbem a comercialização. Cerca de 80 países autorizaram com regras e estabeleceram critérios para os produtos que são utilizados nos cigarros eletrônicos.
— Muitos estudos mostram que o uso desse tipo de produto consumido como dispositivo eletrônico aumentou muito nos últimos 14 anos. Há uma prevalência de uso considerável e que indica que os órgãos reguladores precisam estar atentos e preocupados.
Especialista em controle do tabaco no Canadá, David Sweanor afirmou que não se pode proibir as pessoas de fazerem o que querem quanto ao uso desses produtos, mas que “podemos empoderar os consumidores para mudarem o mercado”.
— Abandonar a regulamentação causa problemas e nunca funcionou — argumentou Sweanor.
Membro da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), Lauro Anhezini Junior apontou que nos últimos quatro anos quadruplicou o número de adultos brasileiros usuários do cigarro eletrônico, atingindo a marca de 2,2 milhões de pessoas. No total, 5,9 milhões já experimentam na ilegalidade.
Junior defendeu a regulamentação e apresentou revisão científica publicada pela King’s College, de Londres, segundo a qual os cigarros eletrônicos continuam sendo avaliados como apresentando apenas uma fração dos riscos de fumar cigarros convencionais. Segundo Junior, a estimativa é de os cigarros eletrônicos seriam “ao menos 95% menos danosos”.
Em locais em que há uma regulamentação, defendeu o representante da Abifumo, encontra-se cerca de 40% menos nicotina quando comparado com cigarros convencionais.
— Os consumidores brasileiros estão consumindo produtos com nicotina altíssima — declarou o representante da Abifumo.
Ao definir como “grave” o assunto, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) afirmou que regulamentar não significa resolver a questão do crime de contrabando. Da mesma forma, o senador enfatizou que “a indústria está vendo no cigarro eletrônico a saída para a sobrevivência”. Girão lembrou que, em 1989, o consumo de cigarros convencionais era feito por 34% da população, percentual que caiu a 9% em 2021.
O senador Eduardo Gomes (PL-TO) disse ser certo que essa atividade está hoje ligada ao tráfico de drogas e que “só há controle mínimo se tivemos regulação”.
— Estamos falando de um ambiente irreversível, amplo. Vamos entrar na utopia de que é preciso proibir? — questionou Eduardo Gomes, ao comemorar a audiência pública para debater o assunto.
O senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) também advertiu que o cigarro eletrônico, apesar de proibido, pode ser encontrado até mesmo no mercado legal. Para o senador Mauro Carvalho Junior (União-MT), o Brasil perde hoje bilhões de reais por conta da ilegalidade e "é preciso enfrentar o problema".
Segundo o coordenador operacional de Fiscalização da Receita Federal do Brasil, Adriano Pereira Subirá, o cigarro eletrônico é tratado como contrabando, com pena de perdimento, e não há uma estimativa de quanto seria arrecadado com a venda do produto, caso legalizado.
— Regulamentando ou não, nós precisamos fortalecer o controle extensivo e a segurança do país — afirmou o coordenador.
O debate continuará com uma segunda reunião às 15h30.
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