Pesquisadores criticaram nesta terça-feira (20) pontos do novo arcabouço fiscal e defenderam mudanças no projeto de lei complementar (PLP 93/2023), que aguarda votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Os economistas José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), e Marcos José Mendes, pesquisador associado do Insper, estiveram na comissão e participaram de audiência pública sobre o tema.
Para José Márcio Camargo, as metas de resultado primário sugeridas pelo Poder Executivo no arcabouço fiscal “mostram um certo otimismo exagerado do governo”. De acordo com o pesquisador, o país precisaria elevar a carga tributária para conseguir estabilizar o ritmo de crescimento da dívida pública. Ainda assim, segundo ele, compromissos de campanha assumidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem comprometer o atingimento das metas de superávit.
— Mesmo em um cenário de aumento da carga tributária suficiente para estabilizar a dívida pública brasileira, demandas políticas serão um importante fator de risco ao longo dos próximos anos. Propostas de recuperação gradual dos valores reais do salário-mínimo devem impactar os gastos com encargos pessoais e previdenciários. A correção da tabela do imposto de renda para R$ 5 mil tem um impacto de aproximadamente 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto) — disse.
José Márcio Camargo disse identificar “pontos positivos” no PLP 93/2023. Entre eles, a previsão de gatilhos em caso de não cumprimento da meta de resultado primário e a obrigação de contingenciamento em caso de risco de descumprimento da meta. Mas, de acordo com o professor da PUC-RJ, “pontos negativos” tornam o projeto “insuficiente para estabilizar a dívida pública em um patamar razoável nos próximos anos”.
— O texto permite que o governo possa ampliar o espaço para novas despesas em maio de 2024 por meio de crédito adicional, caso a revisão das receitas no próximo ano seja superior à receita efetiva em 2023. O projeto também exclui o salário-mínimo de quaisquer medidas compensatórias. Esta medida impactará os gastos com encargos pessoais e previdenciários, que correspondem a cerca de 65% da despesa primária total — disse.
Marcos José Mendes reforçou as críticas ao novo arcabouço fiscal. Para o pesquisador associado do Insper, há “algumas inconsistências bastante problemáticas” no PLP 93/2023. Ele afirma que o projeto não é capaz de estabilizar a dívida pública e depende de “aumento muito grande da receita”.
— Vai ser preciso aumentar a receita no valor maior do que a União recebe hoje de imposto de renda líquido. Isso não se faz só acabando com subsídio tributário, “jabutis” e lacunas da legislação fiscal. Isso exigirá um aumento muito forte de carga tributária, que é bastante prejudicial ao crescimento econômico — afirmou.
Para Marcos José Mendes, as regras previstas no novo arcabouço fiscal “são incompatíveis” com a política de aumento real do salário mínimo e com a vinculação de despesas as áreas de saúde e educação. O pesquisador sugeriu mudanças no projeto de lei, relatado na CAE pelo senador Omar Aziz (PSD-AM).
— Para ser mais efetivo no controle das despesas obrigatórias, é preciso acionar todos os gatilhos já no primeiro ano após o descumprimento da meta de primário, e não em dois anos como prevê o projeto. É preciso excluir a possibilidade de o presidente da República escolher se vai ou não acionar esses gatilhos, mas obrigar o acionamento de todos os gatilhos. Outra medida seria diminuir o patamar mínimo de 0,6% de investimentos e desvinculá-lo do PIB — sugeriu.
A audiência pública foi sugerida pelos senadores Plínio Valério (PSDB-AM) e Rogério Marinho (PL-RN). Para o parlamentar potiguar, os pesquisadores lançam dúvidas sobre a eficácia do arcabouço fiscal.
— Ficamos ainda mais preocupados com o futuro da economia brasileira a médio e longo prazo. Toda pujança de um PIB alcançada de forma artificial, com medidas populistas e circunstanciais, sem o devido cuidado com seu impacto sistêmico na economia resultou, principalmente entre 2014 e 2016, na maior recessão que tivemos na história brasileira, sem que tivéssemos fatores supervenientes externos — advertiu.
Para o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), o arcabouço sugerido pelo Poder Executivo “é falho e frouxo”. Ele questionou a eficácia das novas regras fiscais a médio e longo prazos.
— Mesmo com um arcabouço fraco, o mercado comemora, o dólar cai e agencias internacionais colocam a expectativa da dívida brasileira em um patamar melhor. Isso tudo gera um certo otimismo. Podemos estar diante de um voo de galinha? A economia vai experimentar algum alívio nos próximos dois ou três anos e depois de se chocar no muro de uma dívida que está nos levando a um processo de dominância fiscal? — indagou.
Durante a audiência pública, o senador Omar Aziz pediu a suspensão dos debates para que pudesse ler, ainda nesta terça-feira, o relatório sobre o PLP 93/2023. Mas senadores da oposição defenderam a continuidade da discussão e anunciaram que vão apresentar emendas ao texto. O senador Carlos Portinho (PL-RJ) disse que vai propor um requerimento para que, depois da CAE, o novo arcabouço fiscal seja debatido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Também participara da audiência pública os senadores Jaime Bagattoli (PL-RO), Weverton (PDT-MA) e Tereza Cristina (PP-MS). A parlamentar sul-mato-grossense defendeu “cautela” no debate sobre o PLP 93/2023.
— O arcabouço fiscal é uma política de Estado, e não de governo. Estamos votando uma política para ficar, a substituição do teto de gastos. Não entendo esta pressa, essa correria para apresentar o relatório. Esta Casa tem a responsabilidade de entregar o melhor arcabouço possível para a sociedade brasileira — afirmou.
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