O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados instaurou nesta quarta-feira (14) processos disciplinares contra as deputadas Célia Xakriabá (Psol-MG), Sâmia Bomfim (Psol-SP), Talíria Petrone (Psol-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Juliana Cardoso (PT-SP). Todas as representações foram apresentadas pelo PL. O partido diz que as parlamentares quebraram o decoro parlamentar durante a aprovação do projeto do marco temporal de terras indígenas (PL 490/07) no Plenário da Câmara, no fim de maio.
Na ocasião, as parlamentares protestaram contra o texto, que limita a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Segundo o PL, as deputadas gritaram ao microfone para os deputados favoráveis ao texto: "Assassinos! Assassinos do nosso povo indígena!". Apesar de os microfones terem sido cortados, o PL reclama que as deputadas continuaram ofendendo os parlamentares que fazem oposição ao governo, principalmente o deputado Zé Trovão (PL-SC), autor do requerimento de urgência para a votação do projeto do marco temporal em Plenário. O PL acrescenta que as deputadas usaram as redes sociais para "manchar a honra de diversos deputados".
Primeiramente, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, apresentou uma representação conjunta contra as seis deputadas, pedindo a abertura de processo contra elas de forma coletiva. No dia 2 de junho, ele pediu a retirada de tramitação da representação, o que foi feito ontem, pela Mesa Diretora da Câmara. No entanto, em seguida, foram recebidas pela Mesa as representações de forma individualizada, contra cada uma das seis parlamentares.
Representações específicas
Foram instaurados os seguintes processos:
- Processo 8/23, referente à Representação 9/23, contra a deputada Célia Xakriabá. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Paulo Magalhães (PSD-BA), Jorge Solla (PT-BA) e Jack Rocha (PT-ES).
- Processo 9/23, referente à Representação 10/23, contra a deputada Sâmia Bomfim. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Washington Quaquá (PT-RJ), Gutemberg Reis (MDB-RJ) e Miguel Ângelo (PT-MG).
- Processo 10/23, referente à Representação 11/23, contra a deputada Talíria Petrone. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Sidney Leite (PSD-AM), Delegado Fabio Costa (PP-AL) e Rafael Simoes (União-MG).
- Processo 11/23, referente à Representação 12/23, contra a deputada Erika Kokay. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Bruno Ganem (PODE-SP), Ricardo Ayres (Republicanos-TO) e Acácio Favacho (MDB-AP).
- Processo 12/23, referente à Representação 13/23, contra a deputada Fernanda Melchiona. A lista tríplice sorteada para a relatoria inclui os deputados Gabriel Mota (Republicanos-RR), Ricardo Maia (MDB-BA) e Alex Manente (Cidadania-SP).
- Processo 13/23, referente à Representação 14/23, contra a deputada Juliana Cardoso. Na reunião do dia 30 de maio, já foi instaurado processo (referente à Representação 5/23) contra Juliana Cardoso pelo mesmo motivo. Segundo o presidente do Conselho, a nova representação será apensada à Representação 5/23, com mesmo relator, o deputado Gabriel Mota (Republicanos-RR).
Das listas tríplices de cada processo, um nome será escolhido relator pelo presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (União-BA).
Protestos
As deputadas representadas, além de outros parlamentares, protestaram na reunião de hoje com cartazes que traziam os dizeres “Não vão nos calar”; “Não vão nos intimidar”; e “Basta de machismo”.
Fernanda Melchionna destacou que homens também se insurgiram contra os homens favoráveis ao marco temporal e não houve representações contra eles. Para ela, trata-se de uma “caça às bruxas”.
Sâmia Bonfim afirmou que as representações foram aceitas em tempo recorde. “Foram quatro horas entre o protocolo e chegar aqui na pauta do Conselho de Ética. Isso nunca tinha acontecido na história do Congresso Nacional”, apontou.
Ela defendeu o direito de as deputadas se expressarem e acrescentou que todos os dias as parlamentares são ofendidas, sofrem violência política e até são ameaçadas de morte e, mesmo assim, não há punição no conselho. Na visão dela, a extrema direita se incomoda com o empoderamento feminino e tenta intimidar as parlamentares.
Para Célia Xakriabá, não há democracia com o silenciamento de mulheres eleitas democraticamente. “Parlamentar significa direito de falar. Por que não possa falar de genocídio, de etnocídio legislado?”, questionou.
“Não houve nenhuma indignação dos deputados quando no microfone de aparte me chamaram de imbecil. Isso está registrado nos vídeos. Ou quando outros deputados falam com parlamentares chamando-as de abortistas ou vagabundas, mesmo não estando com microfone aberto”, afirmou Juliana Cardoso.
Violência política
Jack Rocha lembrou que a coordenação da Bancada Feminina da Câmara emitiu nota suprapartidária no início do mês dizendo que as representações configuram violência política contra as deputadas e que "são uma tentativa de silenciar as parlamentares, de impedir o exercício dos seus mandatos e de obstaculizar seus direitos políticos"
Pela legislação, é considerada violência política contra as mulheres toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos delas.
“É violência política de gênero sim, é violência contra os povos indígenas, é transformar o conselho em instrumento daqueles que acham que podem calar a voz das mulheres no Parlamento, eliminar o outro porque pensa de forma diferente”, reiterou a deputada Erika Kokay. Conforme ela, as deputados não podem ser processadas por expor o que pensam.
Defesa dos processos
O deputado Domingos Sávio (PL-MG) afirmou que não importa se era homem ou mulher, mas era preciso respeito na discussão. Para ele, não pode se transformar em vítimas as deputadas que atacaram outros parlamentares, chamando-os de assassinos. Ele acredita que as deputadas faltaram com a ética na ocasião. O deputado Marcos Pollon (PL-MS), por sua vez, declarou que não se pode aceitar como discussão política chamar um colega de assassino.
O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) afirmou que no conselho era preciso deixar o “lado histérico e militante” de fora, e que as deputadas não expressavam arrependimento. O deputado Abilio Brunini (PL-MT) pediu que o Conselho de Ética ajude a criar ambiente harmônico no Parlamento independentemente do gênero.
Celeridade dos processos
O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) questionou a celeridade no envio das representações ao conselho, diante de tantos outros que continuam na Mesa Diretora . Ele afirmou que, por exemplo, no dia 2 de fevereiro protocolou representações contra parlamentares que, por meio de suas redes sociais, se manifestaram em favor dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro – representações que ainda estariam “na gaveta”. Ele pediu isonomia no tratamento dos casos. Para ele, está havendo perseguição política, com uma “eiva de machismo”, não só pela pressa no envio dos processos, como pelo mérito das representações.
Alencar pediu recusa pelo presidente do conselho das representações contra as deputadas, citando precedente ocorrido na legislatura passada, quando o deputado Paulo Azi (União-BA), então presidente do órgão, não aceitou representação do Psol contra o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Já o deputado Cabo Gilberto (PL-PB) pediu que a decisão fosse colegiada, e que o presidente não retirasse as representações de pauta.
Leur Lomanto Júnior declarou que colocaria em pauta todas as representações chegadas ao órgão 24 horas depois. Ele afirmou que não tem controle sobre a ordem das representações enviadas pela Mesa Diretora ao colegiado. Além disso, alegou que, como já foi designado relator para o caso da deputada Juliana Cardoso, não se sentiria confortável em tratar as outras deputadas de forma diferenciada. Ele se comprometeu, porém, a se reunir com Lira para questionar por que representações apresentadas antes pelo Psol não foram encaminhadas ao conselho. Ele prometeu dar tratamento igual a todos os partidos no órgão.
Designações de relator
O presidente do conselho também informou os relatores de processos disciplinares instaurados no dia 30 de maio contra seis deputados:
- o deputado Ricardo Maia (MDB-BA) foi designado relator do processo (Representação 2/23) contra Márcio Jerry (PCdoB-MA), apresentado pelo PL por quebra de decoro. Ele é acusado de importunação sexual contra a deputada Julia Zanatta (PL-SC) durante audiência com o ministro da Justiça, Flávio Dino.
- o deputado Alexandre Leite (União-SP) será o relator do processo (Representação 3/23) contra Nikolas Ferreira (PL-MG), apresentado por quatro partidos: Psol, PDT, PT e PSB. As legendas afirmam que Ferreira faltou com o decoro ao usar uma peruca loira para, no Dia Internacional da Mulher, "fazer um discurso de cunho flagrantemente discriminatório e transfóbico". Na ocasião, ele foi repreendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
- o deputado Albuquerque (Republicanos-RR) foi escolhido relator do processo (Representação 4/23) contra José Medeiros (PL-MT), apresentado pelo PT por quebra de decoro durante a sessão que comemorava o Dia da Mulher. Medeiros é acusado de intimidar a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) e de xingar e agredir o deputado Miguel Ângelo (PT-MG) quando este foi defender a parlamentar paranaense.
- o deputado Gabriel Mota (Republicanos-RR) foi designado relator da Representação 5/23, do PP, contra a deputada Juliana Cardoso, por chamar de “assassinos” os parlamentares favoráveis à urgência do projeto que dificulta a demarcação de terras indígenas.
- o deputado Rafael Simoes (União-MG) foi designado relator da Representação 6/23, do PL, contra a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), acusada de quebra de decoro parlamentar por, durante reunião da CPI do MST, ter acusado o relator do colegiado, deputado Ricardo Salles (PL-SP), de fraudar mapas e ter relação com o garimpo.
- o deputado Josenildo (PDT-AP) foi designado relator da Representação 7/23, do PT, contra o deputado Eduardo Bolsonaro, por desentendimento com o deputado Marcon (PT-RS), em reunião da Comissão de Trabalho. A confusão começou após Marcon ter questionado a facada desferida contra o ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018. Eduardo Bolsonaro levantou, xingou e ameaçou o petista. Os dois foram contidos por colegas.
Não foi designado o relator do processo (Representação 1/23) contra Carla Zambelli (PL-SP), apresentado pelo PSB. O partido acusa a deputada de quebra de decoro parlamentar por ter xingado e constrangido o deputado Duarte (PSB-MA) durante audiência com o ministro da Justiça, Flávio Dino. A lista tríplice sorteada no dia 30 inclui os deputados Ricardo Maia (MDB-BA), João Leão (PP-BA) e Washington Quaquá (PT-RJ).
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