Senadores e especialistas defenderam nesta quarta-feira (7) a regulamentação do mercado de carbono no Brasil. Eles participaram de uma audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA), que debateu o projeto de lei (PL) 412/2022 . O texto, do ex-senador Chiquinho Feitosa (CE), define regras para o funcionamento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE).
O mercado de crédito de carbono é um sistema de compensações de emissão de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa. Por esse mecanismo, empresas que não atingiram suas metas de redução podem compram créditos de carbono de quem conseguiu reduzir emissões ou preservar florestas.
Para Antônio Cassio dos Santos, presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), a regulamentação do mercado de carbono, o mercado de carbono no Brasil pode beneficiar diretamente comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas — desde que elas tenham as terras demarcadas ou tituladas pelo poder público.
— Quem tem um pedaço de terra, ao invés de receber um dinheiro lá na frente, poderia receber um dinheiro mês a mês. Era como se criasse uma renda vitalícia para quem tem um pedaço de terra com floresta. Nós tiraríamos da quase miséria uma quantidade enorme de populações ribeirinhas só pelo fato de ela ter um pedaço de terra. É muito mais viável, do ponto de vista econômico, fazer um título de crédito de carbono do que desmatar. É uma coisa absurda quando a gente faz a conta. Se não fizemos nada, os estrangeiros, na medida em que seus países forem regulamentando a necessidade da compensação, vão começar a comprar terras aqui a preço de nada — afirmou.
Marcos Toscano Siebra Brito, representante de Casa Civil, disse que a Presidência da República tem orientado estudos técnicos para propor a regulamentação do mercado de carbono. Ele reconheceu, no entanto, que a definição de um texto depende de "um ajuste fino" entre todos os segmentos envolvidos.
— Os setores regulados vão passar a ter um encargo a mais. O setor produtivo vai ter que começar a pagar por nossas emissões. Um pedaço da economia vai ter que falar: 'o carbono tem um custo, e eu vou ter que arcar com esse custo'. A gente vai ter que fazer um ajuste fino que é: como fazer com que esse custo que o carbono tem seja modulado para não representar um ônus excessivo para a indústria, o que levaria a uma perda de competitividade global. Mas, ao mesmo tempo, que não seja frouxo demais porque a indústria brasileira esteja atrasada e desatualizada, o que também provocaria perda competitividade — disse.
O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) demonstrou preocupação com a elevação dos custos envolvida com a regulamentação do mercado de carbono para a agroindústria. Questionado pelo parlamentar, o assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), Rodrigo Justus de Brito, disse que "os custos da implementação do mercado de carbono precisam ser inferiores aos benefícios".
— A aprovação de um mercado regulado de emissões é necessária. Porém, com todos os cuidados, observando o cenário internacional e a competitividade dos nossos produtos. Colocar a agricultura como pagadora na emissão de carbono significa incorporar custos a mais nos alimentos, trazer inflação. A agricultura não faz parte do mercado regulado em nenhum país do mundo — afirmou.
Para José Carlos da Fonseca Junior, cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, experiências internacionais podem inspirar o país na definição de um modelo de regulamentação do mercado de carbono. Ele criticou um decreto do Ministério do Meio Ambiente do governo anterior, que buscava criar um sistema de compensações.
— Tinha aspectos interessantes. Porém, tinha outros que não dialogavam muito com o que estava sendo feito fora do Brasil. Nós temos que sempre nos policiar para que o Brasil não caia na tentação de fazer 'jabuticabas'. Devemos ficar com um pé atrás para tudo que não se comunica, que não dialoga e que exija legenda para ser traduzido para o resto do mundo. O risco de não dar certo geralmente é muito grande — disse.
Beatriz Secaf, gerente de Sustentabilidade da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), classificou como "muito importante" a implementação de instrumentos de precificação de carbono no Brasil. Para ela, o mecanismo seria útil para que a economia incorpore nos preços as "externalidades climáticas".
— Os mercados de carbono têm uma vantagem no sentido de apresentar maior flexibilidade em relação a outros instrumentos de precificação, como é o caso da taxação. Ele tem o potencial de contribuir para a manutenção e até o incremento da competitividade da indústria brasileira no mercado global, que demanda cada vez mais produtos de menor impacto climático — afirmou.
Flávia Teixeira, gerente de Transição Energética da Engie Brasil, reconheceu a importância de se regulamentar o mercado de carbono. Mas disse que o PL 412/2022 precisa ser aprimorado.
— O Brasil tem muito mais oportunidades na aprovação de um mercado de carbono do que riscos ou custos. O projeto de lei traz importantes inovações, mas nos distancia um pouco do conceito de mecanismo mercadológico, uma das ferramentas de atingimento de uma economia de baixo carbono. A gente precisa tomar cuidado para que ele não abarque tantas outras políticas, inciativas e incentivos. A gente precisa tentar resguardar a essência mercadológica — disse.
O consultor em Direito Climático Tiago Ricci, representante de Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), disse que o modelo regulado de carbono precisa incorporar "critérios e aspectos técnicos" já adotados pelo mercado voluntário de carbono.
— O mercado voluntário cresce a dois dígitos nos últimos dois anos. A gente está vendo uma série de projetos sendo desenvolvidos e já tem um padrão de certificação em que existem regras metodológicas para serem seguidas. Nesse mercado, os compradores adotam esses mecanismos de compra de uma maneira voluntária. A nossa preocupação é de que, no afã de se buscar regular o mercado voluntário, possa de prejudicar o andamento disso. A gente pode trazer um mecanismo de elegibilidade e aceitabilidade para que os ativos gerados no mercado voluntário possam ser utilizados em uma certa proporção dentro do mercado regulado, trazendo liquidez — disse Ricci.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) também participou da audiência pública. Ele afirmou que o Brasil precisa exigir de empresas estrangeiras que vendem seus produtos no país o cumprimento de critério mínimos de compensação de carbono.
— A sua empresa só vende aqui seu carro fabricado na Europa se mostrar a compensação de crédito de carbono, que a gente tem para vender. Aqui você só vende seu aparelho de celular se provar que tem emissão zero, e nós temos crédito de carbono para vender. Você só vende alguma coisa neste mercado de 200 milhões de brasileiros se mostrar que tudo que você está cobrando da gente você faz. Porque, se você não conseguir fazer, a gente tem crédito para você comprar. Esse mercado precisa ser controlado por nós — defendeu.
A audiência pública foi sugerida pelos senadores Confúcio Moura (MDB-RO), Carlos Portinho (PL-RJ), Marcio Bittar (União-AC) e Leila Barros (PDT-DF), presidente da CMA. Para Confúcio Moura, a regulamentação do mercado de carbono "é uma das leis mais importantes" em análise no Senado.
— Eu sou de Rondônia, da Amazônia, e creio que, se nós conseguirmos pagar serviços ambientais e também regulamentar o mercado de carbono, nós conseguiremos reduzir muito o impacto sobre a floresta em pé, logicamente, com as pessoas recebendo benefícios, recebendo recursos, justamente para proteger a floresta em pé — disse.
A CMA vai promover audiência pública sobre duas matérias que tratam da questão climática: o PL 4.129/2021 , que prevê normas para a formulação de planos de adaptação às mudanças climáticas, e a proposta de emenda à Constituição (PEC) 233/2019 , que inclui a manutenção da estabilidade climática entre os princípios da ordem econômica. O colegiado aprovou nesta quarta-feira três requerimentos, sugeridos pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e pela presidente da comissão, senadora Leila Barros.
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